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Claudia Lima Marques e Laís Bergstein

O crédito responsável e a lei sobre o superendividamento

Devolve-se a chance de saldar dívidas e reingressar no mercado consumidor

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Claudia Lima Marques

Advogada, doutora em direito e professora titular da UFRGS, é relatora-geral da Comissão de Juristas do Senado para a atualização do Código de Defesa do Consumidor

Laís Bergstein

Advogada, doutora em direito do consumidor e concorrencial e docente do Programa de Mestrado Profissional em Direito, Mercado, Compliance e Segurança Humana (Faculdade Cers)

Pouco antes de completar 31 anos, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi atualizado pela lei 14.181/2021 para estabelecer um novo regime jurídico de prevenção e tratamento do superendividamento no Brasil. Trata-se de uma política pública de fomento ao crédito responsável, à educação financeira e à cultura de pagamento, preservando-se uma renda mínima digna para a subsistência do superendividado.

Elaborado por renomada comissão de juristas presidida pelo ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o projeto pautou-se em parte na experiência desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, principalmente pelas juízas Clarissa Costa de Lima e Karen Bertoncello.

Em resumo, a nova lei protege o consumidor pessoa natural e de boa-fé; fomenta práticas de crédito responsável, educação financeira e ambiental, prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento; e prevê a revisão e a repactuação de dívidas.

Também proíbe práticas abusivas (arts. 54-C e 54-G do CDC), como: 1 - indicar que não há consulta à situação financeira do consumidor; 2 - dificultar a compreensão sobre ônus e riscos da contratação; 3 - assediar ou pressionar o consumidor a contratar o produto, serviço ou crédito, principalmente idoso, analfabeto, doente, em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio; 4 - condicionar o atendimento à renúncia ou à desistência de ações, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais; e 5 - cobrar quantias contestadas pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito (CDC, art. 54-G, I) ou dificultar o bloqueio do cartão de crédito ou similar.

A instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos de superendividamento contribui para desafogar o Judiciário, pois ações e execuções sem perspectiva de resultado passam a ser solucionadas em bloco. Na nova lei, destacam-se: direito à informação adequada e clara, considerada a idade do contratante; direito de arrependimento da compra de bem financiado (como automóveis, na forma do art. 54-F, § 1º, CDC) ou por inexecução de obrigações do fornecedor (CDC, art. 54-F, § 2º); audiência conciliatória de repactuação de dívidas de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada (CDC, art. 104-A); se a conciliação for inexitosa, processo de revisão e repactuação das dívidas, com a citação de todos os credores que não tenham integrado o acordo (CDC, art. 104-B).

O plano judicial compulsório assegurará aos credores o valor do principal devido e preverá a liquidação da dívida após quitação do plano de pagamento consensual em no máximo cinco anos, com moratória de até 180 dias para a primeira parcela.

Não há proteção ao consumidor que contrai dívidas mediante fraude ou má-fé, oriundas de contratos celebrados dolosamente ou relativas a itens de luxo de alto valor. A atualização do CDC segue diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), do Banco Mundial e de outras organizações internacionais.

A ordem econômica "tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social" (art. 170 da Constituição Federal).

A sanção da lei 14.181/2021 contribui com a evolução do mercado de crédito, bancário e financeiro para o paradigma do crédito responsável e reforça a boa-fé que deve guiar as relações de consumo, valorizando o microssistema do CDC e a retomada da economia com mais dignidade para os consumidores. Devolve-se ao superendividado a possibilidade de gerir seu patrimônio e a dignidade de saldar as dívidas para reingressar no mercado de consumo, beneficiando a todos.

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