Descrição de chapéu
O que a Folha pensa

Cenas violadas

Alteração de locais de homicídios alimenta impunidade, em especial de policiais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Policiais carregam corpo durante operação na favela do Jacarezinho - Ricardo Moraes - 6.mai.21/Reuters

A prática ilegal de alterar cenas de crimes, deploravelmente, disseminou-se. Ela contribui para dificultar a já escassa elucidação de casos e, sobretudo, para evitar a responsabilização da própria polícia por mortes em suas operações.

Não são poucos os exemplos recentes. Segundo denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro apresentada neste mês, quatro policiais militares acrescentaram 12 cartuchos calibre 9 mm e um carregador de fuzil à cena em que a jovem grávida Kathlen de Oliveira foi morta em 8 de junho, no Rio, alegadamente para simular confronto.

Também neste ano, em maio, a Defensoria Pública do Rio afirmou que foram desfeitas cenas da operação em que 28 pessoas foram mortas na favela do Jacarezinho. Segundo relatos, algumas das vítimas foram retiradas dos locais.

Alterações do tipo podem ser enquadradas em diversos tipos penais, notadamente o de fraude processual —o que, conforme estabelece o Código Penal, consiste em "inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito".

A pena é de detenção de três meses a dois anos e multa, sendo aplicada em dobro em processo penal.
Policiais podem ainda ser enquadrados em falso testemunho, uma vez que, sem provas materiais que advenham das cenas dos crimes, sua palavra tende a se tornar a única verdade referendada nos autos.

Entretanto não basta que a prática seja criminalizada pela lei, como se vê. Alteração ilegal de cenas de crime somente é possível num país que despreza a investigação.

Estima-se que apenas 4 em cada 10 casos de homicídio sejam esclarecidos no Brasil. No Rio, a taxa não passa de vexatórios 12%, revela pesquisa do Instituto Sou da Paz.

Outro fato preocupante no país é a presença marcante da Polícia Civil, que deveria ter atuação investigativa, em operações com mortes.

Percebe-se, por fim, uma rede de impunidade permitida pelas instituições responsáveis pelo controle das polícias. Em descumprimento de ordens do Supremo Tribunal Federal, as forças fluminenses deixaram de comunicar ao Ministério Público quase metade das operações entre junho e novembro de 2020, segundo estudo.

São vícios que contaminam as políticas de segurança pública no país —e só sanáveis com vigilância permanente da sociedade e atuação incisiva das instituições.

editoriais@grupofolha.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.