Descrição de chapéu
José de Lima Ramos Pereira

A MP que cria regras sobre o trabalho híbrido é adequada? NÃO

Regulamentação deve discutir os efeitos sobre a saúde do trabalhador

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

José de Lima Ramos Pereira

Procurador-geral do Trabalho, é especialista em direito processual civil (UFRN), mestre (UCB-DF) e doutorando em direito (Uninove-SP)

A medida provisória 1.108, de 28 de março de 2022, propõe alterações legislativas tendo como justificativa garantir a segurança jurídica no contexto do teletrabalho, modalidade que acabou amplamente utilizada devido à necessidade de isolamento social como medida de proteção à saúde em virtude da pandemia de Covid-19.

As medidas provisórias são editadas pelo presidente da República, autorizado pelo artigo 62 da Constituição Federal de 1988, e representam exercício atípico da função legislativa, somente podendo ser utilizado em caso de situações que apresentem, simultaneamente, relevância e urgência. No entanto, não se identifica na MP a presença cumulativa desses requisitos, embora deva ser reconhecida a relevância do tema nela tratado para o direito do trabalho, que deve ser devidamente discutido, de forma democrática, pelos atores da sociedade civil no âmbito do processo legislativo.

Depois do home office, empresas passaram a adotar esquemas de trabalho rotativos, sem mesas fixas - Eduardo Knapp - 30.jul.21/Folhapress

O teletrabalho, introduzido pela lei 13.467/2017 no ordenamento jurídico nacional, gerou várias reflexões sobre a melhor forma para sua execução, tendo-se à vista o perigo do esvaziamento dos direitos dos trabalhadores. No entanto, com o isolamento social decorrente da pandemia, a sua implementação nos setores público e privado —de modo precário e provisório— foi a alternativa sensata para a manutenção de empregos e a continuidade da prestação de serviços de diversos setores econômicos nacionais.

Sua regulamentação há de ser discutida amplamente, devendo considerar seus efeitos sobre a saúde do trabalhador e também de modo a não permitir que haja seu desvirtuamento por meio de condutas fraudulentas, voltadas a afastar, equivocadamente, a aplicação da legislação trabalhista. Isto é o que ocorre, por exemplo, com a alteração proposta no artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no sentido de negar aos empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa o direito ao controle e limitação da jornada. Essa exceção fere o princípio constitucional que limita a duração do trabalho a 8 horas diárias e 44 horas semanais, sendo que a ausência de limitação das horas trabalhadas gera prejuízos à saúde física e mental, em desrespeito ao direito à desconexão e à qualidade do meio ambiente laboral.

Outro ponto da medida provisória a ser destacado é o dispositivo que permite o teletrabalho a aprendizes e a estagiários, podendo prejudicar também o propósito desses institutos, pois o convívio e a interação social e educacional são essenciais para a formação humanística de jovens e adolescentes, além de ser fundamental para a ressignificação de valores, pois prepondera a finalidade protetiva, formativa e pedagógica das atividades inerentes à aprendizagem e à profissionalização.

Esses aspectos apontados violam a ordem jurídica, sendo atribuição do Ministério Público do Trabalho (MPT) defender os interesses sociais e individuais indisponíveis para a efetivação dos direitos fundamentais do trabalho, destacando-se aqui a atuação para proporcionar ao trabalhador um ambiente saudável, hígido e seguro. Assim, o MPT, como instituição promotora de justiça social, do trabalho digno e do desenvolvimento socialmente sustentável, deve estar atento às inovações legislativas para que os direitos trabalhistas sejam devidamente respeitados, em prol do equilíbrio do trabalho-capital e em benefício do progresso da nação.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.