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Amilton Ferreira

A MP que cria regras sobre o trabalho híbrido é adequada? SIM

Mudança é global, e muitos países estão enfrentando as mesmas questões

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Amilton Ferreira

Advogado, é especialista em direito e processo do trabalho (PUC-SP) e membro da Comissão Especial do Direito do Trabalho da OAB-SP

Se de um lado houve uma mudança gigantesca no dia a dia das empresas com todos os desafios impostos pela pandemia, que por sua vez forçaram o trabalho a distância, de outro temos uma legislação trabalhista ainda deficiente em muitos aspectos, deixando brechas para interpretações distintas e risco de prejuízo para empregados e empregadores. Será que o Brasil está suficientemente pronto para essa realidade que veio para ficar?

A resposta é clara: não estamos prontos, e há um caminho longo a ser percorrido. No campo jurídico, tivemos recentemente um avanço importante com a publicação da medida provisória 1.108/2022, que introduziu novas regras ao regime de teletrabalho, tratando sobre pontos relevantes, como a possibilidade de adoção de um modelo híbrido de trabalho e a aplicabilidade das leis e normas coletivas da base territorial do estabelecimento de lotação do empregado.

Depois do home office, empresas passaram a adotar esquemas de trabalho rotativos, sem mesas fixas - Eduardo Knapp - 30.jul.21/Folhapress

Dentre as inovações, a MP também estabeleceu alguns formatos de contratação com relação ao trabalho remoto, que pode ser fixado "por jornada" (com controle de jornada e pagamento de hora extra), "por produção" ou "por tarefa" (sem controle de jornada e pagamento de hora extra), alterando a regulamentação original que excluía, sem exceção, a obrigação patronal de controle de jornada.

Mas a medida não elimina uma discussão atual na doutrina e na jurisprudência acerca do teletrabalho, envolvendo a questão da obrigatoriedade —ou não— de controle de jornada nos casos em que existe a possibilidade de o empregador efetuar o referido controle, ainda que o serviço seja prestado "por produção" ou "por tarefa". Isso porque parte entende que a dispensa dessa obrigação patronal ocorre apenas se houver a impossibilidade de efetuar o controle.

Nesse cenário, como ficam as empresas que utilizam tecnologia para o acesso individual dos funcionários em suas redes? São sistemas virtuais que, em regra, possibilitam o monitoramento do horário de trabalho (registro de login/logout), mesmo não sendo esse o objetivo em muitos casos. Em uma eventual contratação que inclua o trabalho remoto sob as regras da nova MP, no formato "por produção" ou "por tarefa", essas empresas correrão o risco de serem alvo de reclamações trabalhistas com pedidos de pagamento de horas extras.

Na outra ponta desse imbróglio está o empregado, que também poderá ser submetido a uma carga horária excessiva de trabalho amparada em uma contratação nesse regime "por produção" ou "por tarefa", sem controle de jornada, o que na prática poderá acarretar a superação dos limites de duração do trabalho fixados pela Constituição Federal: 8 horas diárias e 44 horas semanais.

São hipóteses que alimentam um sentimento de insegurança jurídica que persistirá até que haja uma regulamentação específica abrangendo os aspectos mencionados ou a pacificação da jurisprudência em relação a esses temas. Essa situação reforça a necessidade de uma atenção especial das empresas, inclusive a adoção de medidas adicionais, como normas coletivas específicas, visando reduzir os riscos trabalhistas envolvidos.

Não estamos sozinhos nessa: a mudança é global, e muitos países estão enfrentando as mesmas questões. O fato é que precisamos partir da premissa básica de clareza total nas regras, sem abusos, muita cautela, responsabilidade e, sobretudo, boa-fé para fazermos valer todas as vantagens que essa nova era apresenta para empresas e trabalhadores.

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