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O que a Folha pensa

A peneira de Aras

PGR mostra ignorar pilar da democracia ao processar colunista que o criticou

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O procurador-geral da República, Augusto Aras - Fellipe Sampaio/STF

Augusto Aras, na condição de procurador-geral da República, resolveu tapar o sol com a peneira. Reprovado amiúde por inverter o sentido do cargo que ocupa, fez o que lhe pareceu mais fácil: processou um de seus críticos.

Trata-se de Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP e colunista desta Folha. O procurador-geral quer vê-lo condenado por calúnia, injúria e difamação devido a postagens em redes sociais e uma coluna intitulada "Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional".

Aras não gostou de ser chamado de "Poste Geral da República", de "servo do presidente" e de grande fiador da crise vivida no Brasil em decorrência da Covid, expressões utilizadas por Mendes para caracterizar a omissão do PGR diante dos desmandos de Jair Bolsonaro (PL).

Na primeira instância do Judiciário, deu-se o mais natural. A juíza federal Pollyanna Kelly Alves, lembrando o valor inestimável que tem o direito de liberdade de expressão dos pensamentos e ideias, entendeu não ter havido ofensa à honra de Aras e rejeitou a queixa-crime.

A surpresa surgiu no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, quando os juízes federais Marllon Sousa e Maria do Carmo Cardoso votaram a favor do recurso de Aras, vencendo a posição sustentada por Olívia Merlin Silva e determinando que o processo volte a tramitar.

Ignoraram, com isso, decisões em que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que, numa sociedade democrática, não cabe a repressão penal ao pensamento, sobretudo quando a crítica, por mais severa e ácida que seja, venha inspirada pelo interesse público.

Para o STF, a liberdade de imprensa abrange o direito de informar, de buscar a informação, de opinar e de criticar.

Não se confundam tais prerrogativas com um vale-tudo. Criticar é uma coisa, ameaçar e coagir são outra. Existem limites, mas eles não são cruzados quando os comentários expressam opiniões negativas, ainda que mordazes ou irônicas, a respeito de figura pública.

Autoridades públicas estão sujeitas a maior escrutínio em sociedades democráticas, e não será com a abertura de processos penais que esse pilar sairá fortalecido.

Aras, ao ascender à PGR, deveria saber que atrairia para si mais luzes do que nunca. Talvez seja impossível passar pelo cargo sem sofrer críticas, mas elas certamente são pouco numerosas e menos duras para quem honra a função.

editoriais@grupofolha.com.br

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