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José Carlos Abissamra Filho

O STF acertou ao manter o poder de investigação policial ao Ministério Público? NÃO

Constituição não prevê atribuição; sobreposição com forças policiais compromete eficiência do sistema de Justiça

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José Carlos Abissamra Filho

Advogado criminalista, é mestre e doutor em direito (PUC-SP); autor de, entre outros, "Política Pública Criminal - Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais" (ed. Juruá)

O Supremo Tribunal Federal acaba de escrever um novo capítulo de um debate que agita os corredores do sistema judiciário brasileiro há alguns anos: a legitimidade do Ministério Público para conduzir investigações policiais. Em que pese ter decidido em favor da existência de tal direito, sob uma análise atenta da Constituição Federal, surge a pergunta inevitável: de onde se tirou que procuradores e promotores podem investigar?

O fato é que não há disposições constitucionais que concedam explicitamente ao órgão esses poderes. O artigo 129 da Constituição Federal, que delineia as funções do MP, não menciona tal atribuição. O mesmo vale para o artigo 144, que trata da segurança pública e das responsabilidades de investigação.

Da primeira vez em que foi tomada, em 2015, a decisão não foi consensual. O então ministro do STF Marco Aurélio Mello, por exemplo, entendia que nossa Carta Magna não respaldava tal atribuição.

Revisitando a matéria, cujo julgamento foi concluído no último dia 2 de maio, o Supremo perdeu uma grande oportunidade de corrigir o que era necessário, optando por manter disfuncionalidade em vez de reconhecer a manifesta desconformidade, formal e material, do poder investigativo ministerial com o ordenamento jurídico.

Fachada do Supremo Tribunal Federal - Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil - FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

O Ministério Público não tem poderes investigativos, tanto assim que foi necessário invocar a teoria dos poderes implícitos para justificá-los —e essa expansão de poderes, naturalmente, não é isenta de problemas. A sobreposição de atribuições entre o MP e as forças policiais vem comprometendo há anos a eficiência do sistema de justiça.

Apesar de alguns números ou alegações que pudessem ser apresentados no sentido de que investigações ministeriais justificar-se-iam, um olhar macro permite constatar o oposto: aumento da criminalidade nos últimos anos, especialmente a organizada, e avanço, com a mesma intensidade, da sensação de impunidade. A disfuncionalidade impera no nosso sistema, indicando que o estado de coisas inconstitucional vai muito além das unidades prisionais.

O modelo institucional concebido pelo Código de Processo Penal de 1941 destinava à autoridade policial a competência investigativa, visando evitar conclusões precipitadas e garantir uma análise completa dos fatos. Ao mesmo tempo, cabe ao MP, órgão imprescindível à administração da Justiça, funções próprias, entre elas a de promover privativamente a ação penal pública e a de exercer o controle externo da atividade policial.

A manutenção do posicionamento do STF, ainda que com pouquíssimos ajustes, não alterará a nossa realidade. A divisão de tarefas entre os órgãos de persecução penal é crucial para a eficiência da administração pública, e isso foi ignorado. As polícias Federal, Civil e Militar têm responsabilidades específicas que contribuem para o funcionamento harmonioso do sistema.

A especialização é uma característica essencial tanto na iniciativa privada quanto na esfera pública —e não deveria ser diferente com o Ministério Público.

Hoje, quase uma década após o precedente que concedeu poderes investigativos ao Ministério Público, é evidente que essa sobreposição de atribuições não trouxe os benefícios esperados. Pelo contrário, prejudicou a funcionalidade do direito e a especialização de cada órgão.

Lamentamos que a Suprema Corte tenha perdido essa grande oportunidade de devolver a funcionalidade ao nosso sistema.

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