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Victoria Damasceno

'Não quero colocar um filho negro nesse mundo'

Medo da violência policial faz com que mulheres negras desistam de serem mães

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Victoria Damasceno

Editora de Equilíbrio, é jornalista formada pela USP e foi pesquisadora na Universidade Howard (EUA)

São Paulo

Eu, na verdade, quero. Mas nos últimos anos cansei de ver mulheres negras dizendo que não podem se dar o luxo de colocar um filho negro nesse mundo, principalmente no Brasil. São amigas, familiares e até desconhecidas.

Desistem devido ao racismo, que se reproduz na violência policial e em muitos outros tipos de agressões. Em última instância, se apresenta como o medo de ter que enterrar um filho, invertendo a ordem natural da vida.

Sua decisão tem fundamento. Em 2019, pretos e pardos foram 77% das vítimas de homicídio no país, segundo o Atlas da Violência de 2021. O estudo também mostra que temos mais do que o dobro de chances de sermos assassinados do que pessoas não negras. Em Salvador, negros eram 100% dos mortos pela polícia em 2020, segundo a Rede de Observatórios da Segurança.

Protesto pela justiça de Kathlen Romeu, 24, vítima de uma bala perdida em uma operação policial no Rio de Janeiro - Renato Moura/Voz das Comunidades

Quando um jovem negro morre, uma rede de apoio geralmente formada por mulheres é deixada ao relento. São mães, avós, tias e irmãs, que muitas vezes são ou desempenham a figura materna.

Quando a violência não se esgota na morte, mata em vida. Se materializa no medo do parto, uma vez que nós, mulheres negras, somos mais suscetíveis a sofrer violência obstétrica. Aparece também na angústia de que nossos rebentos enfrentem o racismo antes que saibam se defender. E que, quando se defendam, sejam vítimas da violência.

Há no imaginário coletivo a ideia de que a mulher negra é forte, batalhadora, supera qualquer obstáculo. Como se aguentássemos mais do que as brancas, enquanto essas devem ser protegidas. Este estereótipo, construído historicamente, desumaniza-nos.

Não é razoável uma mulher abandonar o sonho de ter filhos por medo de que eles sejam mortos.

Ainda assim, é preciso ter fé. Esperança de que aqueles vindos dos nossos ventres ocuparão espaços que, com suas decisões, quebrarão este ciclo vicioso. Mas enquanto a solução não se apresentar como uma política de Estado, deixem as mulheres negras –e as suas escolhas– em paz.

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