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Gisela Padovan e Alexandre Vidal Porto

O Itamaraty e as mulheres

Parece haver normas não escritas que favorecem a ascensão masculina

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Gisela Padovan e Alexandre Vidal Porto

Diplomatas

A proteção dos direitos humanos é um dos princípios que regem a política externa das democracias. No Brasil, essa diretiva é dada pelo artigo 4º da Constituição Federal.

Os direitos das mulheres ocupam posição central nesse campo. Natural, portanto, que vários países tenham incorporado a igualdade de gênero como princípio e prioridade de sua ação diplomática e da organização de suas chancelarias.

A diplomata Rafaela Seixas, 35, que ingressou na carreira no Itamaraty graças a programa de bolsas - Antonio Molina/Folhapress

Para tanto, passaram a apoiar a revisão de instrumentos internacionais com base nos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, adotaram medidas para promover o recrutamento de candidatas do sexo feminino e a indicação de mulheres para posições centrais na formulação e execução da política externa.

O Brasil carece dessa orientação. Ao contrário de países como Argentina ou Espanha, nossa chancelaria não tem unidade temática específica para a questão. Os negociadores brasileiros tampouco são instruídos a considerar a perspectiva de gênero em todos os aspectos de sua ação diplomática. De acordo com boletim estatístico sobre a participação de mulheres no serviço exterior, elaborado recentemente pelo Itamaraty, apenas 23% dos diplomatas são mulheres. Esse número se reduz a 14,3% no caso de cargos de chefia no Brasil (DAS-6) e a 12,2% nas chefias de embaixadas no exterior.

Essa cultura de exclusão vem de longa data. De 1938 a 1954, mulheres eram impedidas por lei de ingressar na carreira diplomática. Ainda no início dos anos 1990, não era incomum embaixadores, ao solicitarem funcionários para suas equipes, indicarem a Brasília que não queriam diplomatas mulheres.

Parece haver no Itamaraty um conjunto de normas não escritas que favorecem a ascensão masculina. Paletó e gravata seriam, nas palavras de uma colega embaixadora, atributos necessários ao acesso a posições de poder.

A contribuição que as mulheres podem dar à política externa brasileira é valiosa e não deveria ser subestimada. A exemplo do que acontece em países europeus e latino-americanos, os direitos das mulheres merecem prioridade nas agendas bilateral e multilateral do país. Compromissos internacionais adotados pelo Brasil na Conferência da ONU sobre a Mulher (Pequim, 1995) devem ser resgatados.

Tal prioridade também precisa refletir-se na estrutura funcional do Itamaraty. É urgente implementar políticas de recrutamento que atraiam mais mulheres, assim como é imperativo questionar a "reserva de mercado" masculina para os principais cargos da diplomacia brasileira. Por que nenhuma mulher jamais ocupou as cadeiras de chanceler, secretário-geral, embaixador em Washington, Buenos Aires ou Pequim?

Um serviço diplomático reflete e difunde no exterior a imagem do país que representa. Uma imagem que reduz a participação feminina é menos legítima e menos efetiva como instrumento de política externa. Um velho adágio diz que a melhor tradição do Itamaraty é saber renovar-se. No que diz respeito à igualdade de gênero, é bom que se renove logo.

* Este artigo reflete opiniões pessoais

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