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Mauro Valdir Schumacher

Apostar no plástico é ir na contramão da ciência e do meio ambiente

Pelo futuro, precisamos ser sustentáveis, inclusive em nossas escolhas

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Mauro Valdir Schumacher

Professor titular do Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Chegamos ao século 21 com o meio ambiente em convulsão. O conceito do lucro acima de tudo desencadeou uma corrida inconsequente por itens de baixo custo, com produtos de matéria-prima de origem finita, uso único e pós-consumo que infesta a natureza de lixo por séculos.

Seguir investindo na produção de plástico de uso único é acelerar na contramão das necessidades do planeta. Segundo estudo da ONG Oceana (2020), "a maior parte do plástico de uso único não será reciclada simplesmente porque não foi projetada para ser reciclada".

Lixo plástico na praia do Una, que pertence ao município de Iguape, no litoral sul de São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress

Isso não é admissível. Como apontado no livro "Cradle to Cradle" (2002), é imprescindível ter olhos atentos para o conceito do "berço ao berço", base da economia circular. Este é o ponto de partida para analisar, com imparcialidade, os argumentos do artigo "Parem de achar que sacolas de papel são mais sustentáveis que as de plástico" (23/9), do colunista Leandro Narloch, publicado nesta Folha.

Passo número um: o plástico surge do refino do petróleo. Em reportagem deste jornal de agosto de 2021 ("Mudanças no refinamento do petróleo podem reduzir emissões em 10%, aponta estudo"), "segundo os pesquisadores, essa indústria teve um acréscimo de 24% nas emissões de gás carbônico entre 2000 e 2018 —o que a fez ser o terceiro setor que mais emite gases do efeito estufa".

Por outro lado, 100% do papel utilizado no Brasil vêm de árvores que são cultivadas para isso, como eucalipto e pínus. A indústria de base florestal ainda conserva mais 6 milhões de hectares, uma área maior do que o estado do Rio de Janeiro! Juntas, essas florestas e plantações removem e estocam o equivalente a 4,5 bilhões de toneladas de CO2.

O pós-uso é fundamental. No país, a taxa de reciclagem do plástico é de 23,1%, segundo o PICPlast, 2021.

O papel, por sua vez, tem alta taxa de reciclabilidade, especialmente no Brasil. Reciclamos 70,3% no ano de 2020 (Ibá, 2021), um dos maiores índices do mundo. Isso sem contar o tempo de biodegradação do papel, que em poucos meses exposto ao meio ambiente já se degrada —ao contrário do plástico, que permanece por séculos e causa prejuízos à biodiversidade e à vida humana.

Segundo relatório do Instituto Alemão Alfred Wegener - Centro Helmholtz (2022), com apoio da WWF (World Wide Fund for Nature), "o crescimento projetado da poluição plástica provavelmente resultará em riscos ecológicos até o final do século. Áreas marinhas com mais de duas vezes e meia o tamanho da Groenlândia podem exceder os limites ecologicamente perigosos de concentração de microplásticos".

A consequência é clara. No ano de 2019, a Universidade de Newcastle, na Austrália, divulgou que os seres humanos ingerem indiretamente um cartão de crédito em microplástico por semana.

Cada ator social tem sua importância para salvar o meio ambiente: poder público, iniciativa privada e sociedade civil. Pelo nosso futuro, precisamos ser sustentáveis, inclusive em nossas escolhas. E apostar cegamente no plástico é o mesmo que contrariar a ciência.

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