Tratado da ONU incentiva reúso para combater lixo plástico

Documento pode representar uma nova fase no setor ambiental, segundo os envolvidos

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Rio de Janeiro

Ao abordar o ciclo de vida completo do plástico, da produção ao descarte, uma resolução da ONU assinada em março por 175 Estados-membros pode representar novo impulso em direção à economia circular. O documento prevê a criação do primeiro tratado global contra poluição pelo material.

"Não podemos continuar na lógica de extração infinita. A circularidade é uma aplicação da máxima da natureza de voltar sempre à cadeia", diz Vitor Pinheiro, coordenador de campanha no Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

Garrafas plásticas espalhadas em terreno em frente à praia
Lixo plástico na Praia do Una, que pertence ao município de Iguape, no litoral sul de São Paulo - Eduardo Anizelli/Folhapress

O acordo pode representar uma nova fase no setor ambiental —para os envolvidos, este é o mais importante compromisso ambiental desde o Acordo de Paris de 2015.

Além disso, o tratado será juridicamente vinculativo e, portanto, terá força de lei. O documento vai estabelecer obrigações legais que os Estados signatários devem seguir.

"Surge esperança para que se chegue a possíveis soluções com uma visão global e sistêmica", afirma Aldo Ometto, coordenador do centro de pesquisa em economia circular do InovaUSP.

No Brasil, ainda há muito o que fazer. Levantamento de 2019 da ONG WWF (World Wide Fund) feito com dados do Banco Mundial mostrou que o país é o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo, com 11,3 milhões de toneladas por ano.

Também é o décimo no ranking de lixo plástico por habitante, com 52 quilos per capita a cada ano. Do total, mais de 10 milhões de toneladas acabam em aterros sanitários, lixões ilegais ou na natureza. Segundo o estudo, apenas 1,28% desse material é reciclado, índice muito abaixo da média global, de 9%.

Como as taxas de reciclagem do material ainda são muito baixas, a maior parte do plástico que poderia ser reaproveitado para a fabricação de novos produtos é jogada no lixo.

"Não adianta dizer que [garrafa] PET é reaproveitável se não há uma estrutura que garanta a reciclagem", diz Pinheiro, do Pnuma.

Além de o Brasil não ter uma cadeia capaz de reaproveitar tudo que seria reciclável, Pinheiro afirma que, na circularidade, a indústria que produz o plástico precisa absorvê-lo após o descarte para criar um novo produto, mas o país segue uma lógica de fabricação em que mercadorias não são feitas com materiais que facilitem a reciclagem.

A economia circular reduz o impacto no ambiente promovendo a eliminação de plásticos de uso único, como canudos, o investimento em embalagens reutilizáveis e a reciclagem para que um material retorne à cadeia de consumo.

Ometto, do InovaUSP, avalia que o baixo valor de mercado de alguns materiais pode desestimular políticas de reciclagem das empresas. É justamente o caso do plástico, que tem baixo valor agregado comparado ao alumínio.

Ometto diz que, para garantir a circularidade, é preciso adotar um modelo de negócios que vá além da cadeia tradicional de fabricação. Segundo ele, isso inclui investimentos de grandes empresas produtoras de materiais em outros atores da cadeia, como cooperativas e catadores.

No Brasil, os trabalhadores de coleta são responsáveis por 90% de todo o lixo reciclado, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A resolução aprovada pela ONU reconhece a importância de catadores e cooperativas em coletar e reciclar o lixo.

De acordo com Thais Vodjovic, especialista em plástico da Fundação Ellen MacArthur, que estuda a economia circular, outra barreira é o envolvimento de diferentes setores, o que também inclui governos. Mesmo que haja compromisso voluntário de algumas instituições, essas medidas ainda são insuficientes para sanar o problema. Segundo Vodjovic, a aprovação da resolução já é resultado de um engajamento maior dos envolvidos. "É um sinal de alinhamento, e isso pode ser um fator de aceleração [da transição para economia circular]."

O reúso de plásticos (embalagens que podem ser utilizadas várias vezes, por exemplo) é outra estratégia da economia circular, mas ainda pouco difundida. Pesquisa do Fórum Econômico Mundial apontou que 95% do valor do plástico é perdido após um único uso.

Empresas também têm adotado medidas para reduzir o impacto desses plásticos de uso único.

Em 2019, companhias como PepsiCo e Nestlé assinaram o pacto global dos plásticos, documento do Pnuma e da Fundação Ellen MacArthur para impulsionar a adoção da economia circular no ciclo do material. As signatárias fabricam cerca de 20% das embalagens desse tipo do mundo, mas menos de 2% da produção é própria para reúso.

Já a Coca-Cola lançou, em 2018, a garrafa PET universal na América Latina, com rótulos de papel e plástico mais resistente. Ela pode ser reutilizada após lavagem e esterilização, feitas pela própria empresa. Quem devolve as garrafas em lojas selecionadas ganha desconto na compra seguinte. Com a iniciativa, a companhia diz ter evitado a produção de 1,8 bilhão de PETs na região.

De acordo com estudo da Fundação Ellen MacArthur, substituir 20% das embalagens plásticas de uso único por embalagens reutilizáveis é uma oportunidade de negócio que pode gerar mais de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 50 bilhões) por ano.

Para as multinacionais, o acordo da ONU traz alinhamento regulatório mundial. Dessa forma, as companhias não precisam se adequar à legislação de cada país, o que facilita a transição para a economia circular.

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