Quando, em 2010, o Qatar foi escolhido para a sede da Copa do Mundo de futebol de 2022, o então presidente da Fifa, Joseph Blatter, foi questionado sobre a repressão à comunidade LGBTQIA+ vigente naquele país. Em tom de piada, respondeu: "Acredito que [homossexuais] deveriam simplesmente abster-se de qualquer atividade sexual".
A declaração foi rechaçada, com razão, pela comunidade gay internacional; logo em seguida, Blatter voltou atrás e pediu desculpas.
Brincar sobre assunto tão sério já era um indício de que a Fifa se recusava a ver o elefante no meio da sala que é a escolha de países com governos autocratas, como a Rússia, ou teocratas, caso do Qatar, para sediar o Mundial.
Na Rússia também havia, e ainda há, forte preconceito contra homossexuais, inclusive com ações de Estado, como a lei que proíbe o que o governo chama de "propaganda gay" para crianças.
Mas quase nada se compara ao Qatar. Na península árabe de cerca de 3 milhões de habitantes, a relação entre pessoas do mesmo sexo é crime punido pela Sharia, a lei do direito islâmico. As penas vão de um a três anos de prisão, mesmo para estrangeiros.
Em abril, um dos dirigentes do comitê organizador no país, general Abdulaziz Al Ansari, disse que as bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo LGBTQIA+, serão proibidas durante os jogos. O argumento foi a proteção do torcedor: "Se eu não fizer isso, alguém poderá atacá-lo. Não posso garantir o bom comportamento de todos".
Na semana passada, porém, a Fifa comunicou que as bandeiras serão permitidas. Ao menos até agora, essa é a regra vigente.
Mesmo assim, como forma de protesto, oito seleções europeias, entre elas a inglesa e a alemã, anunciaram no mês passado que seus capitães usarão braçadeiras com as cores do arco-íris em campo.
A escolha de Qatar e Rússia faz parte do projeto da Fifa de divulgar a competição em regiões de menor tradição no esporte. De fato, para o futebol, pouco importa o regime de governo e há amantes do esporte em todo o mundo.
Entretanto seria ingenuidade desconsiderar os efeitos simbólicos dessas escolhas. Sediar um evento de prestígio como a Copa em lugares que infringem os direitos humanos pode ser visto como espécie de chancela a esses regimes.
A confusão está criada, e o maior evento de futebol do planeta começa em 18 dias. Desta vez, cabe torcer não apenas para as seleções nacionais, mas também para que direitos humanos fundamentais sejam respeitados.
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