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Flávia Pellegrino e Pedro Kelson

Um dia para celebrar

Que 31 de março jamais seja esquecido, mas como um marco da democracia

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Flávia Pellegrino

Jornalista, é mestre em ciência política e coordenadora-executiva do Pacto pela Democracia

Pedro Kelson

Mestre em cultura política e capital social, é coordenador de articulação do Pacto pela Democracia

Se em 31 de março de 1964 a democracia brasileira sofria o mais duro golpe de sua história, nesta mesma data, há 40 anos, florescia nas ruas do país a mais importante e decisiva mobilização popular do processo de redemocratização brasileiro, a campanha das Diretas Já. Em 31 de março de 1983, um comício no município pernambucano de Abreu e Lima inaugurava a série de manifestações que uniu e mobilizou, durante mais de um ano, setores sociais e a classe política do país em sua mais profunda diversidade, em uníssono, por eleições diretas para a Presidência da República.

Hoje, portanto, a única celebração possível, necessária e urgente é a da democracia.

Manifestação das Diretas Já na praça da Sé, em São Paulo, em 1984 - Fernando Santos/Folhapress - Fernando Santos/Folhapress

Há quase três meses o país viveu uma nova tentativa de ruptura de seu regime democrático, em violentas invasões às sedes dos três Poderes durante as quais ecoaram inadmissíveis pedidos por intervenção militar. Estes não foram, porém, exclusividade do 8 de janeiro de 2023. Ao longo do governo Jair Bolsonaro (PL), demandas de tal natureza foram constantes e crescentes, assim como as tentativas de revisionismo histórico e o uso das instituições de Estado para enaltecer o autoritarismo a cada 31 de março.

Mas, além de rememorar e repudiar o golpe bem-sucedido 59 anos atrás, a data de hoje também evoca o início das manifestações das Diretas Já, tornando-se um marco da luta pela democracia na história brasileira. Uma batalha permanente em um país em que o enraizamento da cultura democrática se faz premente.

Não à toa, em 2022 o Brasil ressuscitou o espírito e a práxis das diretas. Na sociedade civil, atores dos mais diversos setores uniram-se em coalizões inéditas, mirando um grande e único objetivo: salvaguardar a integridade do processo eleitoral. Entre lideranças e partidos políticos, alianças tão plurais quanto improváveis prevaleceram e permitiram a composição de uma frente surpreendentemente ampla, que tinha o compromisso com a democracia como alicerce e a vitória sobre o autoritarismo como foco.

As articulações do campo democrático em defesa da democracia, porém, tiveram início anos antes das explícitas ameaças às eleições de 2022. Importantes iniciativas na sociedade civil já emergiam mesmo antes da chegada de Bolsonaro ao Planalto, como o Pacto pela Democracia, e tantas outras valiosas iniciativas surgiam à medida que a escalada autoritária bolsonarista se consolidava. A centralidade da atuação da sociedade civil na resistência e na construção da democracia brasileira é notável, tanto no passado quanto no presente.

Há, entretanto, uma diferença importante entre as trincheiras de defesa da democracia nos anos 1980 e no século 21. Enquanto aquela tinha uma agenda positiva —eleições diretas—, os movimentos contemporâneos tiveram de assumir um caráter reativo e minimalista frente aos sistemáticos ataques a liberdades e direitos fundamentais entre 2019 e 2022.

Neste novo ciclo político-democrático iniciado no Brasil em 2023, a reconstrução da democracia é imperativa. Todavia, fazê-la requer que a sociedade brasileira finalmente enfrente a questão militar, encare com seriedade os processos de verdade, memória e justiça, e pavimente caminhos de aprimoramento e proteção de seu regime democrático. Que o dia 31 de março jamais seja esquecido, mas passe a ser, definitivamente, um marco de democracia —hoje e sempre.

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