Está em curso no Supremo Tribunal Federal a análise da constitucionalidade de alguns dispositivos da lei 13.303/16 que limitam a nomeação, para a direção de empresas estatais, de quadros oriundos da área pública.
Aprovada durante o governo Temer (MDB), a Lei das Estatais é espólio da onda antipolítica que varreu o país durante a segunda metade da década passada. Apenas aparentemente veicula medidas moralizadoras, aprovadas com o objetivo de impedir a captura de estatais por grupos políticos. Na verdade, ao desequilibrar a relação entre público e privado no interior daquelas empresas, acaba por permitir a sua captura por investidores de curto prazo e grupos privados.
A inautenticidade do propósito moralizador da referida lei se revela quando verificamos as facilidades que estabelece para a alienação do patrimônio daquelas empresas. Aprovada sob o pretexto de "despolitizar" as estatais, afrouxou os procedimentos para a alienação de ativos, revogando a exigência de instauração de processo licitatório. Foi o que permitiu a venda, em 2019, com controle público reduzido, da Transportadora Associada de Gás (TAG), de propriedade da Petrobras, em uma operação de R$ 36 bilhões.
Agora estão em análise no STF preceitos legais que impedem, em algumas hipóteses, que quadros egressos da área pública sejam nomeados diretores das estatais. A proibição incide sobre representantes de órgãos reguladores; ministros, secretários estaduais e municipais; ocupantes de cargos de direção e assessoramento superior na administração pública; dirigentes de partidos políticos; membros do Legislativo; e pessoas que tenham atuado, nos últimos 36 meses, em campanhas eleitorais.
Tais restrições revelam o grave desequilíbrio de que padece a lei. As estatais podem ter capital misto —são as sociedades de economia mista—, mas sempre com controle estatal. A criação dessas empresas apenas se justifica, segundo o artigo 173 da Constituição, para atender a relevante interesse coletivo ou a imperativo relacionado à segurança nacional. A natureza mista dessas empresas se manifesta não apenas no momento da sua criação: deve ser adequadamente equilibrada no curso de toda a atuação empresarial.
Ao excluir da gestão dessas empresas aqueles quadros oriundos da área pública, a Lei das Estatais produz grave e irreparável desequilíbrio. Trata-se de via oblíqua para converter empresas estatais, quanto à forma de atuação, em empresas privadas, o que tende a impedir que persigam os relevantes interesses coletivos e imperativos de segurança nacional que justificaram a sua instituição.
A Constituição de 1988 é resultado do longo processo de luta pela redemocratização. Uma das conquistas decisivas foi o direito de votar, se filiar a partidos políticos e eleger representantes. Os direitos políticos são direitos fundamentais e não podem ser arbitrariamente limitados. A lei 13.303 os viola ao penalizar quem se dispõe a participar ativamente da vida política nacional.
O aprimoramento das práticas administrativas não resultará da criminalização da política. Como ocorreu nos países institucionalmente mais avançados, o aprimoramento do funcionamento do Estado é processo concomitante ao progresso econômico, político e social do país.
No momento presente, o que se demanda é que as instituições funcionem sob a permanente fiscalização do público. Quanto à Lei das Estatais, é evitar que, sob o pretexto de despolitizar empresas estatais, promova sua captura por grupos empresariais privados.
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