Para além dos terraplanismos

A lógica do terraplanismo é muito mais ampla do que se pode imaginar

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Geni Núñez

Ativista indígena, escritora e psicóloga, é mestre em psicologia social e doutora no no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC); membro da Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos/as (Abipsi)

A hipótese heliocêntrica foi tida como herege, pois tirar o planeta do centro do mundo era também deslocar o humano do centro do universo e, por extensão, um rebaixamento da grandiosidade da criação.

O bicho escolhido para ser "à imagem e semelhança" desse deus não foi uma borboleta ou um tubarão, mas o "homem". Todos os rios, matas, plantas, todos os demais seres teriam sido criados apenas para dominação humana. Por supostamente não terem alma, qualquer violência e exploração contra esses seres estaria autorizada.

Esse humano terraplanista é obcecado em se acreditar superior aos demais seres, elegendo arbitrariamente suas próprias características como se fossem as melhores e maiores do mundo. "Só o humano faz isso e aquilo", dizem. Sim, mas também a capivara não faz o que uma formiga faz e nem por isso falta algo em uma ou em outra. Quem não vê o rio como gente, quem não vê a mata como vida, não se importa em destruí-los.

Nós, povos indígenas, somos reconhecidos mundialmente pela relação saudável com os demais seres não humanos e isso acontece não porque somos "bonzinhos", mas porque nossas cosmogonias não são terraplanistas, não acreditamos que deus fez o mundo para o humano dominar. E é por isso que não destruímos os rios, as florestas, não exterminamos os pássaros, porque entendemos que não somos superiores a eles, somos parte da mesma natureza.

Por isso a demarcação de terras e a luta contra o marco temporal é também para que o tatu tenha terra para cavar, a borboleta uma flor para pousar, para que os vaga-lumes continuem a brilhar. Se a maior parte de nosso corpo é água, também somos um pouco de rio, se só existimos se respiramos, também somos vento. Precisamos da água, do ar, do alimento para existirmos, por isso que todo ataque contra a terra é uma autodestruição.

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