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Paulo Hartung e José Carlos da Fonseca Jr.

O Brasil e o mercado regulado de carbono

Trata-se de urgente assunto de Estado, que mira as futuras gerações

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Paulo Hartung

Economista, presidente-executivo da Ibá e membro do Conselho Consultivo do RenovaBR; ex-governador do Espírito Santo (2003-10 e 2015-18)

José Carlos da Fonseca Jr.

Embaixador e diretor-executivo da Ibá, possui assento nos comitês diretores do The Forests Dialogue (TFD) e do Advisory Committee on Sustainable Forest-based Industries (ACSFI), da FAO; cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

A humanidade está patinando no enfrentamento da emergência climática, a maior crise das atuais gerações. O objetivo de limitar o aumento da temperatura em 1,5°C não será atingido.

De toda sorte, a agenda climática parece, enfim, estar ampliando seu alcance. As conferências do clima têm atraído mais participantes, estourando a bolha das autoridades, diplomatas e ambientalistas. O momento exige ação imediata.

Movimentação de balsas e tratores carregando toras de madeira em um porto improvisado às margens do rio Arapiuns, afluente do rio Tapajós, próximo à comunidade de Cachoeira do Aruã, em Santarém (PA) - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

É essencial que na COP28 se aprove a plena regulamentação do mercado regulado global de carbono à luz dos artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris. Para o Brasil, além do combate ao desmatamento, será fundamental regulamentar as remoções florestais de carbono, medida crucial para diminuir a concentração de gases de efeito estufa (GEE) e para o alcance da neutralidade de carbono até 2050.

O mercado regulado de carbono é um mecanismo ajustado à contemporaneidade, pois monetiza iniciativas que levam à economia de baixa emissão. Segundo o Banco Mundial, taxação de carbono e sistemas de comércio de emissões (da sigla em inglês ETS) movimentaram US$ 95 bilhões em 2022.

O modelo ETS, praticado pela União Europeia (UE), também conhecido como "cap and trade", é o que melhor nos habilita para superar o desafio que temos, já que estabelece teto de emissões, possibilitando a companhias que emitam menos vender créditos para aquelas que excedam o limite. Outras jurisdições adotam o modelo, como províncias do Canadá, estados dos EUA, Japão, China e Peru, entre outros.

O Brasil não pode continuar fora desse jogo. Além de seus enormes ativos ambientais, possui matriz energética limpa —segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), 82,9% da geração de energia elétrica nacional vêm de fontes renováveis.

Há alguns anos, o país ensaia movimentos para ter seu mercado regulado de carbono, mas que não se concretizaram. O PMR ("Partnership for Market Readiness"), oportunidade de implementação a partir de estudos em parceria com o Banco Mundial, foi descontinuado em 2019.

Em 2021, decreto do Ministério do Meio Ambiente voltou o assunto à pauta e houve o chamamento de setores industriais para dialogar. Tampouco deslanchou —e, agora, acaba de ser revogado.

Atualmente, pelo menos quatro projetos de lei tramitam no Parlamento tratando da matéria. Agora, diversos ministérios do governo trabalham texto a ser submetido ao Congresso Nacional.

Trata-se de um assunto de Estado, que mira as futuras gerações. Sem dúvida é um instrumento complexo e que merece ampla discussão, porém não podemos deixar que o assunto continue se arrastando anos a fio sem avanços efetivos.

Sob a ótica da precificação de carbono com regulação dentro do país, o sistema "cap and trade" se mostra mais adequado do que a taxação. Precisamos da criação de uma governança robusta, que diferencie com clareza os mercados regulado e voluntário, de modo a impulsioná-los, além da definição da natureza jurídica dos créditos de carbono e atenção às implicações tributárias A metodologia necessita garantir integridade da negociação, com objetivo de evitar dupla contagem. Isso nos conectará com o mundo.

A preço de hoje, estamos ficando para trás. Com o já consolidado protagonismo da UE, essa é mais uma regulação em que o bloco toma as rédeas. Assim, segue no papel de potência regulatória global para também avançar com medidas de interesses próprios sob o manto da sustentabilidade. O CBAM ("Carbon Border Adjustment Mechanism"), taxação de carbono na fronteira, é um exemplo. Vale lembrar que o mercado regulado de carbono tem prazo de validade. Após o mundo atingir o chamado net zero, ou próximo disso, as negociações tenderão a perder dinamismo.

Por todas essas considerações, trata-se de uma pauta que se impõe. O mercado regulado de carbono é um processo dinâmico, o qual podemos, com responsabilidade, aperfeiçoar.

A UE promove modernizações na legislação há quase 20 anos, enquanto ainda estamos na seara dos debates. Temos de correr ou iremos, mais uma vez, assistir ao batido filme nacional das oportunidades desperdiçadas, com consequências às presentes e futuras gerações.

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