O combate ao desmatamento ilegal na Amazônia exige a articulação de esforços dos mais diversos atores da sociedade brasileira. Nesse sentido, é importante a iniciativa dos bancos nacionais para elevar a régua de concessão de crédito a frigoríficos. Mas as instituições financeiras podem e devem desempenhar um papel verdadeiramente ativo no combate ao desmatamento ilegal com a aplicação de técnicas já utilizadas rotineiramente por seus departamentos de controle e conformidade, não só para os tomadores de crédito, mas também para seus correntistas.
Os mundialmente conhecidos processos de "know your customer" ("conheça seu cliente") e "know your transactions" (registro de operações de pagamento, recebimento e transferência de recursos), já disciplinados pelo Banco Central para a prevenção da lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, aplicam-se perfeitamente quando se trata de combate ao desmatamento. Afinal, todo desmatador precisa inserir o dinheiro oriundo da atividade criminosa no sistema financeiro.
É correto exigir que frigoríficos implementem sistemas de rastreabilidade e monitoramento para garantir compras livres de desmatamento ilegal. Mas os bancos deveriam também adotar, com base em uma avaliação de riscos, critérios de identificação, qualificação e classificação de correntistas a serem submetidos ao monitoramento de suas transações financeiras.
Estudo publicado em 2021 pelo Financial Action Task Force (FATF), organização internacional que desenvolve e promove políticas para proteger o sistema financeiro global contra a lavagem de dinheiro, estima que os crimes ambientais estejam entre os mais lucrativos do mundo, movimentando cerca de US$ 110 a US$ 280 bilhões por ano.
Em vista desse cenário, a FATF busca fortalecer a conscientização sobre a escala e a natureza dos ganhos criminosos e das técnicas de lavagem de crimes ambientais. O órgão recomenda às instituições financeiras fortalecer a capacidade operacional para conduzir investigações sobre crimes ambientais.
Por meio do "know your customer" e do "know your transactions", os bancos já poderiam realizar diligências aprofundadas para identificar entre seus correntistas, poupadores ou tomadores de crédito eventuais ou potenciais desmatadores e, a partir daí, inibir transações financeiras suspeitas de acobertar a prática criminosa. Existem ferramentas robustas para essa finalidade, já utilizadas pelo sistema financeiro, que usam técnicas de inteligência artificial para análise e cruzamento de informações oriundas de bancos de dados públicos e de registro de pessoas e empresas com histórico de desmatamento ilegal.
Também é importante punir a conduta de "lavagem de gado". Assim, as instituições financeiras devem implementar políticas claras de consequências aos responsáveis, que enviem uma mensagem clara de que essa prática não será tolerada.
O sistema bancário brasileiro tem um papel fundamental na luta contra o desmatamento ilegal. Além disso, garantir que as transações tenham conformidade com as leis e regulamentações ambientais protege a reputação das instituições financeiras. Para isso, os profissionais de compliance dos bancos devem ser capacitados e permanentemente atualizados sobre as melhores práticas para identificar e mitigar os riscos ambientais, além de trabalhar em estreita colaboração com as equipes de sustentabilidade e de gestão de riscos. Essas áreas não podem estar desconectadas.
Por meio da devida diligência e do monitoramento contínuo, os bancos podem ter papel real e significativo na preservação da Amazônia e na promoção da sustentabilidade ambiental. O combate ao desmatamento ilegal requer uma abordagem abrangente e colaborativa, na qual os bancos desempenhem seu papel como agentes de mudança. É o maior desafio já posto para as áreas de compliance das instituições financeiras brasileiras e globais, mas nosso sistema bancário forte, regulado e altamente tecnológico é também o mais preparado do mundo para isso.
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