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Valdir Simão

Sistema financeiro pode mais no combate à lavagem de gado

Bancos devem fortalecer capacidade operacional para coibir crimes ambientais

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Valdir Simão

Advogado, ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (jan.2015-dez.2015, governo Dilma) e do Planejamento (dez.2015-mai.2016, governo Dilma); é coautor do livro ‘O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção’ (ed. Trevisan)

O combate ao desmatamento ilegal na Amazônia exige a articulação de esforços dos mais diversos atores da sociedade brasileira. Nesse sentido, é importante a iniciativa dos bancos nacionais para elevar a régua de concessão de crédito a frigoríficos. Mas as instituições financeiras podem e devem desempenhar um papel verdadeiramente ativo no combate ao desmatamento ilegal com a aplicação de técnicas já utilizadas rotineiramente por seus departamentos de controle e conformidade, não só para os tomadores de crédito, mas também para seus correntistas.

Os mundialmente conhecidos processos de "know your customer" ("conheça seu cliente") e "know your transactions" (registro de operações de pagamento, recebimento e transferência de recursos), já disciplinados pelo Banco Central para a prevenção da lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, aplicam-se perfeitamente quando se trata de combate ao desmatamento. Afinal, todo desmatador precisa inserir o dinheiro oriundo da atividade criminosa no sistema financeiro.

Gado se protege do sol embaixo de uma árvore ao lado de uma estrada de terra
Gado em área de queimada na Fazenda Bacuri, em Altamira, no Pará - Christian Braga/Greenpeace - Christian Braga/Greenpeace

É correto exigir que frigoríficos implementem sistemas de rastreabilidade e monitoramento para garantir compras livres de desmatamento ilegal. Mas os bancos deveriam também adotar, com base em uma avaliação de riscos, critérios de identificação, qualificação e classificação de correntistas a serem submetidos ao monitoramento de suas transações financeiras.

Estudo publicado em 2021 pelo Financial Action Task Force (FATF), organização internacional que desenvolve e promove políticas para proteger o sistema financeiro global contra a lavagem de dinheiro, estima que os crimes ambientais estejam entre os mais lucrativos do mundo, movimentando cerca de US$ 110 a US$ 280 bilhões por ano.

Em vista desse cenário, a FATF busca fortalecer a conscientização sobre a escala e a natureza dos ganhos criminosos e das técnicas de lavagem de crimes ambientais. O órgão recomenda às instituições financeiras fortalecer a capacidade operacional para conduzir investigações sobre crimes ambientais.

Por meio do "know your customer" e do "know your transactions", os bancos já poderiam realizar diligências aprofundadas para identificar entre seus correntistas, poupadores ou tomadores de crédito eventuais ou potenciais desmatadores e, a partir daí, inibir transações financeiras suspeitas de acobertar a prática criminosa. Existem ferramentas robustas para essa finalidade, já utilizadas pelo sistema financeiro, que usam técnicas de inteligência artificial para análise e cruzamento de informações oriundas de bancos de dados públicos e de registro de pessoas e empresas com histórico de desmatamento ilegal.

Também é importante punir a conduta de "lavagem de gado". Assim, as instituições financeiras devem implementar políticas claras de consequências aos responsáveis, que enviem uma mensagem clara de que essa prática não será tolerada.

O sistema bancário brasileiro tem um papel fundamental na luta contra o desmatamento ilegal. Além disso, garantir que as transações tenham conformidade com as leis e regulamentações ambientais protege a reputação das instituições financeiras. Para isso, os profissionais de compliance dos bancos devem ser capacitados e permanentemente atualizados sobre as melhores práticas para identificar e mitigar os riscos ambientais, além de trabalhar em estreita colaboração com as equipes de sustentabilidade e de gestão de riscos. Essas áreas não podem estar desconectadas.

Por meio da devida diligência e do monitoramento contínuo, os bancos podem ter papel real e significativo na preservação da Amazônia e na promoção da sustentabilidade ambiental. O combate ao desmatamento ilegal requer uma abordagem abrangente e colaborativa, na qual os bancos desempenhem seu papel como agentes de mudança. É o maior desafio já posto para as áreas de compliance das instituições financeiras brasileiras e globais, mas nosso sistema bancário forte, regulado e altamente tecnológico é também o mais preparado do mundo para isso.

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