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Paulo Ribeiro

Parcelado sem juros não é o vilão do rotativo

Restringir prática não reduz a inadimplência nem os juros do cartão de crédito

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Paulo Ribeiro

Professor e coordenador do Mestrado Profissional em Economia no Insper

Mais de um trilhão de reais foi transacionado no ano passado em compras parceladas na modalidade sem juros do cartão de crédito, representando 10% do nosso PIB e metade de todo o volume movimentado em cartões de crédito.

O meio de pagamento "parcelado sem juros" (PSJ) veio para formalizar e dar transparência à relação comercial entre lojista e consumidor, viabilizando a venda a prazo. A popularidade da modalidade se dá tanto pelo lado do consumidor, que ganha poder de compra com o parcelamento, quanto do vendedor, que ganha competitividade com maiores opções de cobrança.

A diferença entre o valor de compra à vista e o valor de compra no PSJ dá luz aos juros implícitos nessa forma de pagamento. Essa diferenciação no preço ficou ainda mais clara com uma lei de 2017, que obrigou o estabelecimento comercial a informar descontos oferecidos em decorrência do prazo ou meio de pagamento, como em dinheiro, Pix, cartão de débito ou crédito.

Bancos dizem que parcelado sem juros contribui para patamar elevados das taxas de juros praticado no mercado local - Gabriel Cabral/Folhapress

Do ponto de vista econômico, os juros implícitos no PSJ podem ser incorridos pelo próprio consumidor, quando há desconto para pagamento à vista, ou pelo lojista, quando não há diferenciação nas formas de pagamento. Ou, ainda, por ambos, a depender do tamanho do repasse dos custos do parcelamento pelo lojista para o consumidor. Um dos custos do parcelamento pelo lojista é a tarifa de intercâmbio, que é cobrada pelo banco emissor do cartão de crédito do consumidor.

Os maiores bancos brasileiros alegam que a tarifa de intercâmbio é insuficiente para remunerar a oferta da modalidade PSJ e que a rentabilidade do cartão de crédito para a instituição financeira emissora só para de pé se os bancos compensarem essa "perda" aumentando as taxas de juros do rotativo do cartão. Nessa visão, o PSJ seria o responsável pelos altos juros do crédito rotativo, que chegaram a 454% ao ano em 2023.

Como solução para os elevados juros do rotativo, os grandes bancos propõem ao governo que intervenha na indústria de cartões de crédito de tal modo a restringir o PSJ e/ou aumentar as tarifas de intercâmbio. Há diversas razões econômicas para desconfiar dessa solução.

Primeiramente, precisamos entender porque os juros do rotativo são altos. Conforme aponta o Relatório de Economia Bancária do Banco Central, a inadimplência é a maior componente na determinação da taxa de juros do crédito pelos bancos. O inadimplemento do rotativo chegou a 53,4%, maior valor da série histórica e três vezes mais que qualquer outro tipo de empréstimo.

Há, ainda, a questão da baixa sensibilidade do portador do cartão de crédito à taxa de juros do rotativo. Quem entra no rotativo, inadimpliu ao menos em parte da fatura. Esse consumidor não vê uma alternativa diferente do rotativo para se financiar por um prazo curto. Em média, os tomadores ficam apenas 18 dias no rotativo. Dada essa característica, os bancos conseguem cobrar taxas de juros mais elevadas do que observaríamos em um ambiente com maior competição, como, por exemplo, com a portabilidade de dívida e o saldo da fatura de uma instituição financeira para outra.

Não há qualquer evidência econômica que relacione o PSJ à maior inadimplência ou aos juros do rotativo. É difícil crer que, por conta do PSJ, o negócio de cartão de crédito para os bancos só seria rentável devido aos atrasos. Uma solução que seja capaz de permanentemente reduzir os juros do rotativo deverá passar por formas de combater a inadimplência e incentivar a competição.

O problema é complexo e também está presente em países que ainda não contam com PSJ. Não será elegendo um bode expiatório que chegaremos em melhores condições de crédito.

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