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Maria Paula

Redes de apoio entre África e Brasil

Em solo angolano, vivenciamos o amor que se estabelece entre mãe e filho

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Maria Paula

Atriz, autora, psicanalista com mestrado em desenvolvimento humano e saúde (UnB) e embaixadora da paz

Na semana passada fui escalada para a seleção brasileira —não a de futebol, mas outra não menos incrível. Integrei a comitiva brasileira enviada pelo Ministério da Saúde e pela ABC (Agência Brasileira de Cooperação) ao Congresso Internacional de Bancos de Leite Humano.

Ao pisar em solo angolano, me arrepiei toda e tive o ímpeto de tocar o chão com as minhas mãos! Na verdade, senti vontade de me ajoelhar e beijar o solo. Não sei porque tive essa vontade, e também não sei porque não o fiz. Talvez por vergonha de que meus companheiros de missão achassem estranho. O voo foi longo e desconfortável e, ao pousar, para minha surpresa, o desconforto desapareceu imediatamente.

A atriz Maria Paula Fidalgo em evento em São Paulo - Bruno Poletti/Folhapress - Bruno Poletti/Folhapress

Havia chegado a minha hora de me fazer útil, crescer e ter uma rica experiência de vida.

Já estou envolvida nas pesquisas e campanhas lideradas pelo dr. João Aprigio da rBLH/Fiocruz (Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, da Fundação Oswaldo Cruz) há mais de duas décadas e me orgulho em ser parte deste "dream team".

Sou uma pesquisadora da psique humana e estou convencida de que não há forma mais eficiente de proporcionar saúde mental do que oferecendo aconchego, acolhimento e amor sem moderação durante toda a primeira infância. Os cientistas poucas vezes chegaram a uma conclusão tão unânime quanto à da importância dos nossos primeiros mil dias de vida.

A relação que se estabelece entre a mãe e o bebê —que chamamos de vínculo— é tão fundamental na constituição da subjetividade que a psicanálise, através de teóricos como D. W. Winnicott e Melanie Klein, associam as dificuldades e precariedades nesse período com modos de sofrimento que reaparecerão ao longo da vida adulta dos indivíduos.

É importante enfatizar que a forma como a mãe ampara seu filho reverbera em sentimentos de segurança e afetos despertados desde esse contato gentil, o que acarreta uma dimensão emocional que persevera ao longo de sua vida. Os laços afetivos precoces são matrizes de trocas importantes para o ser humano, este que nasce absolutamente dependente dos seres adultos e vai encontrar em seu contato social modelos afetivos para estabelecer suas sociabilidades.

Isso sem falar na possibilidade real de transformação social: agir com ternura e permitir que as primeiras impressões da vida de alguém evoquem sentimentos de segurança e proteção são a melhor forma de substituir sociedades violentas por comunidades maduras capazes de processos civilizatórios mais inteligentes no futuro.

Adoro falar do contato pele a pele, olho no olho, da voz, das cantigas de ninar... E das repercussões positivas de tais práticas. Nenhum tapete vermelho poderia me oferecer maior satisfação.

Durante quatro dias vivemos intensamente a mesma rotina: pela manhã, oferecendo capacitação a mais de 200 profissionais da área da saúde (médicos obstetras e pediatras) vindos das províncias de Bengo, Benguela, Bié, Cabinda, Cuando-Cubango, Cuanza norte e sul, Cunene, Huambo, Huíla, Lunda norte e sul, Malanje, Moxico, Namibe, Uíge e Zaire e, pela tarde, atuando em sessões de falas de modelo hibrido.

Confesso que as atividades da manhã foram as minhas preferidas. Nelas tive como parceiras as médicas neonatologistas Andréia Fernandes e Leticia Villela —duas gigantes no cuidado infantil, que deram um verdadeiro show em cena. Vivemos momentos preciosos com os profissionais angolanos, que se mostraram muito dedicados e dispostos a incorporar os protocolos oferecidos pelo grupo da rBLH/Fiocruz em suas práticas clínicas, de modo a utilizar o leite humano como recurso terapêutico no tratamento de bebês de baixo peso internados nos hospitais de todas as províncias.

Foi um marco histórico. Juntos elaboramos a "Carta de Luanda", preconizando o funcionamento de bancos de leite humano, a importância da amamentação e doação de leite, ordenha, coleta, transporte, estocagem, seleção e classificação, pasteurização, controle rigoroso de qualidade e distribuição de leite humano.

Estou muito honrada em ter sido escalada para este time campeão! Que venha a próxima temporada!

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