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Nésio Fernandes

Guerra contra a Covid não acabou

Surgida durante a pandemia, janela de encanto com o SUS não pode ruir

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Nésio Fernandes

Médico sanitarista, foi secretário de Atenção Primária do Ministério da Saúde e secretário da Saúde do Espírito Santo e de Palmas (TO)

Quando alguém me pergunta se a Covid-19 já passou e se agora não é mais grave, respondo que um vírus que atravessa a história de um país e tira a vida de quase 1 milhão de pessoas é, no mínimo, uma ameaça que não deve ser subestimada ou deixada de ser temida.

O vírus Sars-CoV-2 continua matando. No Brasil, até 18 de maio de 2024, em média 25,85 pessoas morreram diariamente da doença. Matará quantos até o final do ano, em 2025 e em 2026? Matará na pior proporção de mortes evitáveis em razão de nossas baixas coberturas vacinais. Com vacinas disponíveis em tempo adequado e ampla cobertura, a Covid poderia, de fato, deixar de ser um problema significativo de mortalidade no Brasil.

Homem toma vacina contra a Covid em posto de saúde de São Paulo - Rivaldo Gomes - 07.jul.2021/Folhapress - Rivaldo Gomes/Folhapress

A cobertura vacinal com a vacina bivalente para a Covid-19 está em 21,55%. Diferentes estudos estimam entre 7% e 30% o percentual da população que aderiu às teses antivacina; no pior cenário, 70% da população não enfrentaria resistência política significativa para aceitar a imunização. Nem só de negacionismo e de teses antivacina vivem as baixas coberturas vacinais contra a enfermidade.

Hoje, além do vírus, continuo temendo e enfrentando a persistente insuficiência do sistema de saúde.

A janela de encanto com o SUS, surgida durante a pandemia, não pode ruir. Até o final de 2026, ganharão força novas e velhas teses de revisão do Sistema Único de Saúde, questionando seu tamanho e seus "gastos". A agenda econômica precisa manter a sustentabilidade constitucional e cotidiana do maior sistema universal do mundo e garantir sua credibilidade, como também o reconhecimento de posições corretas de um governo progressista, que apoia a ciência e as políticas de defesa da vida.

Uma agenda econômica que não se ocupa de promover a justiça social compromete o êxito político de qualquer governo.

Vivi em Cuba entre 2006 e 2012. Um país complexo, de economia precária, mas com muita vontade política de proteger conquistas históricas. A escassez de recursos, o sofrimento do povo e a inexistência de excedente para ser socializado coexistiam com um comando claro do nível central do país: não poderia faltar comida, educação de qualidade e acesso à saúde. Muitos investimentos na economia foram sacrificados para preservar essas conquistas. Lá aprendi que, mesmo com "base material adversa", o poder da vontade política e da unidade nacional pode muito. Cuba alcançou 91,1% de cobertura vacinal com três doses de vacinas contra a Covid-19.

O SUS é gigante, produz muito e faz muito pelo país. Mas pode fazer mais e melhor: precisa funcionar no cotidiano e estar preparado para as novas crises sanitárias. Persistem problemas da experiência cotidiana do sistema, conhecidos desde antes da pandemia, em especial a desorganização e a insuficiência de acesso. No conjunto, seguimos sem dar saltos de qualidade significativos.

O sistema de saúde e o comando político do país precisam ser resilientes a graves crises e a um "cotidiano de pequenas crises".

Os principais entraves para a solução dos problemas do SUS são de dimensão política, não de financiamento ou organização. É na política que todos os problemas são resolvidos. Em meio à polarização, o cancelamento do debate político aberto e franco é a pior opção para enfrentar problemas concretos para unir e reconstruir o Brasil.

Teremos novas pandemias e novas crises de repercussão sanitária. Guerra avisada não mata soldado.

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