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O que a Folha pensa juros

Real, 30 anos, instituiu o respeito à moeda

Plano foi sustentado por avanço institucional e reformas, ainda incompletas; repúdio à inflação se consolidou no Brasil

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Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda, apresenta cédulas de real, em Brasília (DF) - Lula Marques - 30.mar.94/Folhapress

O passar do tempo acentua a importância histórica da reforma monetária que, há 30 anos, debelou a inflação galopante e abriu espaço para a modernização econômica ainda incompleta do país.

O bem-sucedido Plano Real demonstrou as possibilidades de avanço, mesmo em condições adversas, quando se combinam clareza de propósitos, competência técnica e liderança política.

O ambiente naquele momento, de fato, não parecia propício. A Presidência do instável Itamar Franco, resultante de um impeachment, e uma sucessão de três ministros da Fazenda em poucos meses não autorizavam otimismo.

Os rumos começaram a mudar com a ascensão ao comando da economia de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que montou uma equipe coesa, com diagnóstico claro e capaz de aproveitar os aprendizados dos fracassos de planos anteriores. Com transparência, conquistou a confiança da sociedade e obteve maioria política.

O objetivo imediato do programa era o controle da inflação com a engenhosa Unidade Real de Valor (URV), que indexou preços e contratos em base diária e depois foi transmutada na nova moeda.

Naquele 1994, o país também concluiu a renegociação da dívida externa —que havia se tornado impagável na chamada década perdida de 1980, quando o modelo estatista de crescimento do Produto Interno Bruto entrou em colapso.

A troca da moeda se deu em consonância com um esforço de equilíbrio das contas públicas, que depois se mostrou insuficiente conforme foram sendo reveladas as mazelas do Orçamento antes obscurecidas pela inflação.

O mesmo ocorreu com o sistema financeiro, o que demandou grande esforço de ajuste e mesmo liquidação de bancos estaduais e, mais adiante, de instituições privadas.

A queda instantânea da inflação teve enorme impacto social ao proteger, depois de décadas, o poder de compra da população mais pobre —o que levou FHC ao Planalto.

Reformas importantes se sucederam, como o combate à indexação, a quebra de monopólios estatais e privatizações essenciais, casos de telefonia e setor bancário.

Novas dificuldades não tardaram a aparecer, porém. A piora do ambiente externo a partir de 1995 e a tentativa inglória de manter a todo custo o real sobrevalorizado ante o dólar, em meio a juros altos e déficit do Tesouro, levaram a um esgotamento da estratégia inicial de sustentação da moeda.

A partir de 1999, a política econômica ganhou contornos mais sólidos e duradouros, o que foi decisivo para que o país ingressasse no período de maior estabilidade monetária desde sua industrialização a partir do século 20.

A taxa de câmbio passou a flutuar com os movimentos de mercado, pondo fim à tradição de intervencionismo governamental que resultou em sucessivas crises de falta de divisas. Graças à bonança internacional dos anos 2000, acumularam-se fartas reservas em dólar.

Instituiu-se o regime de metas de inflação, que propiciou transparência e prestação de contas na política de juros. No Banco Central, criou-se o Comitê de Política Monetária; mais tarde, seus dirigentes viriam a ganhar autonomia formal.

Elevou-se a carga tributária até excessivos 33% do PIB e aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que permitiu um período de relativo equilíbrio orçamentário até o início dos anos 2010. Remanescem, entretanto, as distorções de um Estado perdulário e tomado por interesses de setores influentes.

Apesar dos avanços institucionais dos últimos 30 anos, é preciso apontar que a ambição maior pós-estabilização monetária —o crescimento econômico sustentado e a superação da pobreza— ainda não foi concretizada.

O fechamento ao mundo impede a modernização produtiva, e a fragilidade das contas públicas não permite o afastamento definitivo do risco de instabilidade. Redesenhar o Orçamento em prol dos mais carentes, contendo o excesso de gastos obrigatórios, é tarefa inconclusa.

Indiscutível é que o real instituiu o respeito à moeda na sociedade brasileira. Foram esvaziadas as velhas teses populistas favoráveis à tolerância com a inflação em nome de mais atividade econômica no curto prazo. Mesmo com idas e vindas, as reformas econômicas contam com um incentivo poderoso.

editoriais@grupofolha.com.br

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