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Anne Dias

As entranhas da máquina de repressão de Maduro

Corre-se o risco de 'desaparecer' diante das campanhas oficiais de delação

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Anne Dias

Advogada, é diretora do LOLA Internacional ("Ladies of Liberty Alliance", rede mundial de mulheres liberais e libertárias) e presidente do LOLA Brasil

O declínio da tão aclamada democracia é o que mais se percebe na Venezuela. Estamos testemunhando o fim dos direitos sociais e, ainda pior, o possível colapso dos direitos humanos. Imagine ser vigiado por vizinhos, amigos ou até parentes. Essa é a realidade da Venezuela, onde ninguém pode se opor ao regime do ditador Nicolás Maduro. E, se alguém o fizer, corre o risco de "desaparecer". Os opositores do governo estão sendo presos em operações sem respaldo jurídico e capturados por campanhas que incentivam que os cidadãos denunciem uns aos outros em caso de discordância política.

Trata-se da "Operação Tun Tun", na qual forças de apoio à ditadura bolivariana atuam 24 horas por dia atendendo a denúncias contra seus opositores. A caçada aposta em campanhas que fazem uso de aplicativos e redes sociais como parte da estratégia de repressão. Um exemplo são as ações na página oficial da "Dirección General de Contrainteligencia Militar (DGCIM)" no Instagram e no aplicativo VenApp.

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María Corina Machado (à esq.) ao lado de María Oropeza, detida em sua casa na Venezuela - María Oropeza no Facebook - María Oropeza no Facebook

Originalmente criado para emergências médicas, o VenApp foi reestruturado para permitir que cidadãos denunciem aqueles que participam de protestos ou expressam discordância com o regime. O objetivo é identificar e prender aqueles que o governo considera "delinquentes’" ou traidores.

Foi esse o caso de María Oropeza, advogada de 30 anos e uma das principais vozes da oposição a Maduro, que atuou como coordenadora regional da campanha de María Corina Machado. Um dia antes de seu sequestro, Oropeza denunciou a "Operação Tun Tun" em um vídeo publicado em seu Instagram, em colaboração com as páginas de seu partido, Vente Venezuela, afirmando que o estratagema carecia de qualquer legitimidade jurídica.

Na noite seguinte, a advogada foi vítima da própria operação que denunciou, sendo presa em sua residência após ser delatada, ao que tudo indica, por um taxista que até então era de sua confiança. Todo o sequestro foi transmitido ao vivo em seu Instagram, e o vídeo foi amplamente difundido, transformando Maria Oropeza em um símbolo entre os mais de 1.300 presos políticos.

Um dia após a prisão de Oropeza, o Instagram oficial da DGCIM, a força de inteligência militar que lidera a operação, publicou um vídeo intimidador que mostrava não apenas o momento em que Oropeza foi sequestrada mas também seu transporte em um avião para uma prisão. Parece um filme que retrata fatos vividos no passado em ditaduras como a hitleriana, mas não é.

A situação pode ser ainda pior, pois é provável que Oropeza tenha sido levada para El Helicoide, o mais conhecido centro de torturas do regime. Localizado em Caracas, o prédio foi projetado para ser um shopping center, mas acabou convertido em prisão e atualmente serve como sede do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin). El Helicoide tornou-se sinônimo de terror e brutalidade, com relatos de tortura, abusos físicos e psicológicos contra presos políticos. Organizações internacionais de direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, têm documentado detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados e condições desumanas dentro dessa prisão.

Essa estratégia de repressão e vigilância constante não é exclusiva da Venezuela. Regimes autoritários, como o da Coreia do Norte, também utilizam táticas de vigilância e delação para manter o controle sobre a população, incentivando cidadãos a denunciar vizinhos e familiares por consumirem qualquer conteúdo que, minimamente, contrarie o regime comunista. A semelhança entre os métodos usados na Venezuela, Coreia do Norte e até Alemanha nazista revela uma tática comum entre ditaduras: transformar os próprios cidadãos em instrumentos de repressão e criar uma atmosfera de medo e paranoia constante.

O povo venezuelano não encontra socorro, a não ser por intermédio de outros povos. Por isso, é fundamental que a comunidade internacional se posicione. Não apenas a "Operação Tun Tun", mas todas as ações do governo venezuelano estão a postos para reprimir qualquer voz dissidente no país. O caso de María Oropeza é apenas mais um entre as centenas de presos políticos, evidenciando o alarmante controle e violência exercidos por regimes autoritários. Enquanto tivermos governos que incentivam a eterna vigilância e a delação entre cidadãos, a liberdade e os direitos humanos continuarão sendo aniquilados.

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