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Eduardo Suplicy

América Latina debate renda básica

Justiça distributiva é o caminho para alcançar justiça política e bem comum

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Eduardo Suplicy

Deputado estadual (PT-SP), foi senador por 24 anos; é autor do projeto de lei que instituiu a Renda Básica de Cidadania no Brasil, em 2004

A cada dia que passa, o interesse pela implantação de projetos de Renda Básica Universal (RBU) cresce em todo o mundo e incentiva debates entre pessoas que podem fazer a diferença e agregar conhecimentos e experiências. Nesse contexto, foi uma honra e uma alegria participar do 1º Congresso Latino-Americano da Renda Básica Universal, que aconteceu em julho em São José, na Costa Rica.

Chile, Uruguai, Argentina, Guatemala, Peru, Colômbia, Panamá, Equador, Brasil e Costa Rica estavam representados nos debates, que contou ainda com especialistas no tema que vieram de Portugal, Espanha, Alemanha, Países Baixos, EUA e Índia, de integrantes das redes que trabalham pela RBU na região e da Bien ("Basic Income Earth Network"), entusiasticamente representada pelo seu presidente Sarath Davala, da Índia.

Grafite em parede de pousada na favela do Cantagalo, na zona sul do Rio - Daniel Marenco - 29.set.14/Folhapress

Presenciamos intensa interlocução acadêmica de professores de universidades e centros de estudos de diversos países com representantes de relevantes movimentos sociais, de parlamentares e de governo.

O Congresso foi também uma oportunidade para expor a evolução do Bolsa Família até que se torne a RBU no Brasil e para detalhar nossas experiências com moedas sociais que vêm conquistando resultados muito positivos.

Causou enorme interesse as exposições feitas por Bruna Carnelossi (PUC-SP), que destacou como a renda básica, ainda mais que o Bolsa Família, vai significar uma elevação do grau de cidadania, e por Andrea Gama (Universidade Federal Fluminense), que relatou a experiência pioneira de Maricá (RJ), que, gradualmente, desde 2016, vem instituindo uma RBU com a criação da moeda social Mumbuca.

Em minha exposição, destaquei que a origem da proposta da Renda Básica Universal acompanha a história da humanidade: em 520 a.C., no "Livro das Explicações e das Respostas", o mestre Confúcio diz que "a incerteza é ainda pior do que a pobreza". E pode alguém sair de sua casa senão pela porta? É uma solução de bom senso. Por isso, meu livro se chama "Renda de Cidadania - A Saída é pela Porta". Em 300 a.C., em "Política", Aristóteles afirma que política é a ciência de como alcançar o bem comum, uma vida justa para todos. Para isso é necessária a justiça política, que precisa ser precedida pela justiça distributiva.

Expus o histórico do projeto de lei —que apresentei logo ao chegar ao Senado— para instituir a garantia de uma renda mínima a partir de um imposto de renda negativo, o qual deu origem aos programas que relacionaram a renda mínima com condicionalidades, como presença das crianças na escola, vacinação infantil e auxílio gás. Em outubro de 2003, o presidente Lula (PT) resolveu unificar os programas, no que veio a ser o programa Bolsa Família, o qual evoluiu de 3,5 milhões de famílias em dezembro de 2003 para mais de 14,2 milhões de famílias em 2015, fazendo com que o Brasil alcançasse o estágio de fome zero pela ONU.

Infelizmente, os governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) não deram atenção suficiente à erradicação da pobreza e tivemos um aumento da desigualdade. A eleição de Lula para um novo mandato, a partir de 2023, renovou as esperanças de implementação da RBU. Em junho do ano passado, o presidente promulgou a lei 14.161/23, que extingue o Auxílio Brasil, criado por Bolsonaro, e reinstitui o Bolsa Família, hoje com 20,8 milhões de famílias, afirmando que constitui "etapa do processo gradual e progressivo de implementação da universalização da renda básica de cidadania".

O passo seguinte foi a criação de um grupo de trabalho composto pelos mais distinguidos estudiosos do tema de como erradicar a pobreza, das transferências e formas de garantia de renda, promoção de maior igualdade e realização de justiça social. Formado a partir de março deste ano, o GT já realizou cinco reuniões. Acredito que, até o final de 2024, apresentaremos uma proposta de implantação gradual da RBU.

Sempre vale lembrar suas vantagens. Elimina-se toda a burocracia e estigma de se precisar saber quanto cada pessoa ganha. É do ponto de vista da dignidade e da liberdade da pessoa que teremos a maior vantagem com uma renda garantida para todas e todos.

A cada dia que passa, o Brasil dá um novo passo para ganhar a Copa do Mundo da Renda Básica Universal, tornando-se o primeiro país a implementá-la como um belo exemplo para toda a América Latina e para o mundo.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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