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O que a Folha pensa Cracolândia

Drama da cracolândia exige ação multidisciplinar

Insistir na ênfase das operações policiais, como fazem governo Tarcísio e prefeitura de Nunes, equivale a enxugar gelo

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Policiais prendem suspeito durante operação no centro de São Paulo (SP) - Danilo Verpa/Folhapress

Quem quer que tente enxugar gelo perceberá, em pouco tempo, a inutilidade da iniciativa: o pano até absorve gotas já formadas, mas não impede que a água continue migrando do estado sólido para o líquido. Algo assim ocorre com a cracolândia, no centro de São Paulo.

A diferença é que o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e a prefeitura sob Ricardo Nunes (MDB) parecem não entender que, quando dão ênfase quase exclusiva à abordagem policial, podem até obter alguns resultados, mas não impedem a o ciclo de crime, deterioração urbana e degradação humana.

Faz pouco mais de dois anos que uma megaoperação mirou o tráfico de drogas na praça Princesa Isabel, onde à época se localizava o fluxo de usuários. Houve prisões e apreensões. Os dependentes químicos, por sua vez, espalharam-se pelas ruas adjacentes e outras áreas da capital.

Alguns meses depois, contudo, voltaram a se fixar em um único ponto, desta vez na rua dos Gusmões, entre a avenida Rio Branco e a rua dos Protestantes. É lá que agora estão as deprimentes cenas de consumo de crack a céu aberto, às quais se somam o acúmulo de lixo nas vias e o aumento de furtos e roubos no entorno.

A movimentação, de um lado, revela os limites das ações policiais; dispersões provocadas à força apenas deslocam as pessoas para lá e para cá. De outro lado, ela também mostra o poderio do banditismo na cidade.

Investigações da Polícia Civil detectaram um padrão: o fluxo de usuários fica sempre perto de hotéis clandestinos mantidos por pessoas ligadas à facção Primeiro Comando da Capital (PCC).

Tais hospedarias têm, entre outras, as funções de esconderijo de drogas e ponto de encontro de traficantes. Dezenas delas foram identificadas, lacradas, emparedadas. Mas novas logo surgem, às vezes ao lado das anteriores.

Para piorar, a elaboração de mandados judiciais para agir nesses estabelecimentos é quase inviável, porque eles sempre mudam de endereço e de gerência.

Não que esses esforços sejam inúteis —não são. Deve-se combater o crime organizado com vigor, e o trabalho de inteligência policial é preferível à brutalidade que, infelizmente, costuma-se empregar com mais frequência.

Ocorre que, assim como o pano não evitará o derretimento do gelo, a polícia, sozinha, não resolverá o problema humano e urbano da cracolândia. É imperativo adotar uma ação multidisciplinar, em que a segurança se integre a programas de saúde, moradia e geração de renda —tudo de forma contínua e a longo prazo.

editoriais@grupofolha.com.br

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