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Rodrigo Ferreira

Transição energética além da descarbonização

Consumidor precisa ser protagonista, com digitalização e descentralização

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Rodrigo Ferreira

Presidente-executivo da Associação Brasileira de Comercialização de Energia (Abraceel)

A necessidade de reduzir impactos no meio ambiente e conter o aquecimento global tem impulsionado os países a promover políticas públicas, investimentos e leis que resultem em um novo padrão energético para a produção industrial, transportes e geração de eletricidade. O Brasil, como qualquer outro país, enfrenta desafios e particularidades —e é preciso compreendê-los para que a transição seja completada. Afinal, não se pode passar a vida toda em trânsito.

No mundo da eletricidade, especificamente, o Brasil já nasceu descarbonizado. Com uma base de geração hidrelétrica, que foi ao longo dos anos complementada por outras fontes renováveis, como eólica, biomassa e solar, chegamos a impressionantes 93% da energia elétrica consumida no país em 2023 de fonte renovável. Isso só é possível graças à abundância de recursos naturais disponíveis. Trata-se de um privilégio não disponível à maioria dos países e que o Brasil não tem desperdiçado.

Usina Fotovoltaica Flutuante (UFF) na represa Billings, em São Paulo; planta flutuante de energia solar conta com 10,5 mil paineis fotovoltaicos - Jorge Silva - 5.abr.24/Reuters

No entanto, a transição energética no mundo da eletricidade envolve também alterar a participação do consumidor no mercado, por meio da descentralização e digitalização. São dois pilares que, ao lado da descarbonização, formam os "3 Ds" do conceito de transformação energética definido na literatura acadêmica e aceito globalmente. Se este último "D", de descarbonização, está mais claro para a sociedade, os dois anteriores nem tanto.

A descentralização implica criar condições para que a energia elétrica seja produzida e contratada de forma descentralizada. Atualmente, a geração descentralizada de energia está crescendo e ocorre principalmente pela instalação de placas solares nos telhados, mas é algo ainda acessível para poucos.

Há cerca de 2,5 milhões de sistemas de geração distribuída solar espalhados pelo Brasil. Trata-se de uma tecnologia bem-vinda, mas ainda restrita àqueles que têm telhado, bem como recursos ou crédito para esse investimento.

Além da geração distribuída, a descentralização precisa avançar para que o consumidor possa contratar energia elétrica de quem quiser, da fonte que desejar, com a flexibilidade que precisar. Essa é a característica do mercado livre de energia, política pública com potencial de alcançar todos os brasileiros de forma simultânea, independentemente da classe social, no qual a distribuidora passa a prestar apenas o serviço de entregar a energia pela rede de distribuição.

O mercado livre de energia, cujo acesso está universalizado em 35 países, além de ser plataforma para o Brasil avançar na descentralização é o ambiente propício para fomentar a digitalização da eletricidade, permitindo aos consumidores controlarem digitalmente o consumo, na palma da mão, por meio de aplicativos.

A digitalização avança rapidamente em países mais desenvolvidos, como os europeus, onde todos os consumidores podem participar do mercado livre de energia. Lá, no entanto, o desafio maior é o de descarbonizar a geração de eletricidade, o que não é trivial na medida em que isso demanda recursos naturais abundantes. Já o Brasil, que construiu um parque de geração elétrica limpa e permanece com uma matriz descarbonizada, tem o desafio de avançar na descentralização e digitalização.

O mercado livre também é o principal indutor da geração renovável, pois permite ao consumidor escolher o supridor. Invariavelmente, o consumidor irá preferir pela energia mais barata ou renovável —e, aqui no Brasil, a energia mais barata é justamente a renovável.

A abertura do mercado de energia brasileiro é a política pública mais democrática para reduzir o valor da conta de luz na medida em que beneficia todos os grupos de consumidores de forma simultânea. É fundamental entendermos que transição energética envolve também o consumidor. Não faremos a transição esquecendo o consumidor no mundo analógico e sem o direito de escolha.

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