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Gaudêncio Torquato

Afinal, a Folha é de direita ou de esquerda?

Muito difícil, para não dizer impossível, exercer a crítica afastando-se da 'aura' ideológica

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Gaudêncio Torquato

Jornalista, escritor, professor titular aposentado da USP e consultor político

Afinal, a Folha é um jornal de esquerda ou de direita? Há tempos, as duas bandas do arco ideológico mantêm acesa a discussão, cada qual apontando o posicionamento que lhe convém, sob o calor da polarização de ideias que corre nas veias da sociedade. A recorrente pergunta acaba de ser objeto de ampla resposta, desta vez dada pelo diretor de Redação do jornal, Sérgio Dávila, no último domingo (25), em comemoração dos 103 anos de aniversário da Folha. Dávila mostrou ser um esgrimista da expressão, escapando do tiroteio dos leitores e lembrando os quatro aspectos inclusos no Projeto Folha: "plural, apartidário, independente e crítico", sendo este o "de mais difícil execução".

Não é de hoje que a Folha toma assento no banco dos réus. O que, aliás, tem ajudado a alavancar suas vendas, a ponto de hoje, ainda segundo o jornalista, registrar 1,8 milhão de leitores por dia, 25 milhões por mês. Recordando: Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), em sociedade com Carlos Caldeira Filho, em agosto de 1962, comprou o jornal e o tornou um dos mais influentes do país. O "seu Frias", como todos o chamavam, parecia apreciar a querela e, com sua visão pragmática, acompanhou os momentos do país, se tornando um dos principais interlocutores da vida nacional.

Estudantes de escola municipal de São Paulo durante visita à Redação da Folha - Danilo Verpa/Folhapress - Folhapress

Nos meados dos anos 1980, Jarbas de Souza, dono de uma agência de publicidade, após uma conversa com Luiz Frias, atual publisher da Folha, criou o bordão que fez história: "de rabo preso com o leitor". Quanto mais o jornal fazia campanhas publicitárias, sempre com foco no leitor e na verdade, mais a mão pesada dos contrários batia na sua orientação editorial

O fato é que a Folha nunca saiu do vocabulário dos conjuntos sociais, principalmente os estratos de classe média. Por isso mesmo, é bastante oportuno o acervo de respostas de Sérgio Dávila, dentre as quais uma ou outra merece ligeiras observações. A primeira é o reconhecimento de que a grande maioria de jornalistas é de esquerda. Ora, tal assertiva sinaliza, de pronto, a proximidade de quadros da esquerda com a ideologia que os acolhe. Nesse caso, o ideário socialista seria o porto seguro dos navegantes da esquerda.

Evitamos, aqui, o enquadramento no comunismo, cuja moldura não chega a criar simpatia/empatia na contemporaneidade. Se for o caso, poder-se-ia puxar os blocos de esquerda um pouco para o centro e carimbá-los com o selo da doutrina social-democrata, essa que aceita a intervenção do Estado sobre posições do mercado capitalista sem abandonar os parâmetros da liberdade e da livre iniciativa. No extremo, alguns chegam até a admitir o capitalismo de Estado, nos moldes da China. A social-democracia exerce certo charme.

A lembrança dos blocos de esquerda, pinçada por Sérgio Dávila, leva-nos a inferir que, nas linhas e entrelinhas, a Folha é mais esquerdista que direitista, também levando-se em consideração que a direita, ou melhor, a extrema direita conserva a imagem que pende para o lado negativo da régua, identificando-se com o conservadorismo, as velhas práticas da política, o retrocesso, o atraso. Já a esquerda seria mais identificada com progressismo, avanço, reformas. Se a hipótese mostra ser viável, a Folha sai do pedestal do centralismo amorfo para ganhar um novo patamar. Ademais, dos seus 150 colunistas e blogueiros, a maioria deve eleger a esquerda como habitat. Desse modo, veríamos mais uma estaca da esquerda na seara do jornal.

Por outro lado, ser isento nesse momento de intensa inserção/participação política parece ser um exercício sem sentido. Puro "nonsense". Muito difícil, para não dizer impossível, exercer a crítica afastando-se da "aura" ideológica, distanciando-se da esfera emotiva. O juízo de valor aparece e transparece na própria seleção de palavras. A isenção, o fator acrítico, a pretensa imparcialidade não passam de quimera na pregação de tantos quantos defendem uma expressão sem "alma".

Por último, resta aduzir que o leitor da era digital é bem diferente do leitor analógico. Hoje, ele é fonte, não apenas receptor. Há milhões de fontes fazendo e multiplicando mensagens nas redes sociais. No passado, a fonte se resumia a alguns polos. Sobre essa hipótese, emerge a constatação de que as querelas entre contrários tendem a se avolumar. Uma ótima notícia para o marketing das mídias tradicionais, que tendem a trabalhar sob a luz da verdade.

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