Após perseguição, índios voltam a construir malocas

Habitação coletiva indígena foi combatida por religiosos nos anos 1940 e 1950

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SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM)

Quando o baniua Luiz Laureano nasceu, em meados dos anos 1940, toda a sua aldeia cabia na maloca. 
Então vieram os missionários salesianos e evangélicos. De repente, a habitação coletiva virou pecado —e que cada família tivesse a sua casa. 

A mudança foi avassaladora. Após o processo de cristianização do Alto Rio Negro, entre os anos 1920 e 1950, contavam-se nos dedos as aldeias com malocas, todas em áreas de difícil acesso, na fronteira com a  Colômbia.

Já morando na cidade de São Gabriel da Cachoeira, Laureano concluiu que a mudança de hábito não fazia sentido. Em 2005, decidiu erguer a sua própria maloca, na cidade mesmo. Na quinta (19), Dia do Índio, a liderança baniua reinaugurou a maloca com uma grande festa na comunidade Itacoatiara-Mirim, a cerca de 15 minutos de carro do centro de São Gabriel. 

A 850 km em linha reta a oeste de Manaus, trata-se do município mais indígena do Brasil, com 23 etnias que compõem 90% da população de 44 mil habitantes.

Foi o fim de cinco meses de trabalho, que contou com voluntários e até um crowdfunding na internet que arrecadou R$ 20 mil. Parte do dinheiro foi usada para buscar a palha da palmeira caraná, a um dia de barco da cidade.

“Estou evangélico, mas não deixo a minha cultura. Não sou filho de Abraão, sou filho da cachoeira Uapui”, diz Laureano, em referência à origem mítica de seu povo.

O baniua conta que os missionários chegaram à sua aldeia em 1947. Além de convencer de que viver sob o mesmo teto era coisa de Satanás, os missionários impuseram a roupa e roubaram as pedras sagradas dos pajés. “Hoje não tem mais pajé, benzedor, cacique”, lamenta. 


“Eles eram o Taleban católico”, diz o assessor do Instituto Socioambiental (ISA) Pieter-Jan van der Veld. “A maloca era o centro da cultura. Quando os missionários queriam mudar a cultura, o primeiro alvo era a maloca.”

Essa não é a única maloca de São Gabriel —a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro também tem a sua. Foi construída por Laureano, um dos poucos que mantêm o conhecimento na região.

Há 21 anos no Alto Rio Negro, Van der Veld, 54, diz que algumas aldeias voltaram a ter malocas, graças ao surgimento do movimento indígena organizado e à linha mais moderada adotada pela Igreja Católica. 

O processo, no entanto, é lento. Há 20 anos, havia 5 malocas. Atualmente, são 11, na conta de Van der Veld. Em todo Alto Rio Negro, são 420 comunidades indígenas.

As novas malocas mudaram de função. De moradia, passaram a ser usadas apenas para festas, reuniões, pajelanças e outras atividades tradicionais.

Feliz com a reinauguração, Laureano diz que abrirá a sua maloca a visitantes interessados na cultura indígena. E que, mesmo sem os cinco filhos, continuará morando ali com a mulher. “Não gosto de casa pequena.”

O jornalista viajou a convite do ISA ( Instituto Socioambiental )

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