Descrição de chapéu Eleições 2018

Filme mostra capital político evangélico como 'elefante atrás do muro'

'Púlpito e Parlamento - Evangélicos na Política' explora ascensão da fé em Brasília

Anna Virginia Balloussier
São Paulo

A certa altura de “Púlpito e Parlamento - Evangélicos na Política”, o deputado estadual e pastor Carlos Bezerra Jr. (PSDB-SP) resgata o ideário de Desmond Tutu ao afirmar que “não há nada mais político do que dizer que política e religião não se misturam”.

Os dois polos sempre ensoparam o discurso do arcebispo anglicano, primeiro negro a deter o posto na Cidade do Cabo, em 1986, numa África do Sul ainda às voltas com o Apartheid. Declarou Tutu: “A religião é como uma faca, você pode usar para partilhar o pão ou enfiar nas costas de alguém”. 

O documentário de Felipe Neves mostra como a ascensão de políticos evangélicos no Brasil é vista ora como um mal a ser combatido, ora como uma justa representação de fatia do eleitorado cada vez maior —de menos de 10% nos anos 1980 para atuais 32% da população, segundo o Datafolha.

Goste ou não, tudo indica que ela veio para ficar. Em 1994, a bancada evangélica tinha 21 deputados, número que quadruplicou na eleição de 2014 e deve crescer ainda mais no pleito deste ano.

Neves registra a tentativa (por ora estacionada) de criar o PRC (Partido Republicano Cristão), projeto capitaneado pelo maior ministério (o Belém, sediado em São Paulo) da maior denominação evangélica brasileira, a Assembleia de Deus. Um dos entrevistados, o pastor Lélis Marinhos, coordenador político da igreja, elenca prioridades (casamento gay, nem pensar) e lamenta: “Conservadorismo é algo que praticamente não existe no Brasil”.

Deputados federais da bancada evangélica participam de culto evangélico em um dos plenários da Câmara
Deputados federais da bancada evangélica participam de culto evangélico em um dos plenários da Câmara - Lalo de Almeida - 18.out.2017/Folhapress

Um ponto de vista que pode parecer curioso para quem vê expressões como “moral e bons costumes” triunfarem sobre exposições de arte como a cancelada Queermuseu, que trazia obras como a Nossa Senhora ninando um chimpanzé e pinturas inspiradas no site “Criança Viada”.

'JEJUNZINHO DO SENHOR'

A atuação do bloco evangélico em Brasília protagoniza a segunda metade do filme. Há bastidores curiosos, como um cordial encontro no elevador entre parlamentares de ideologias distintas. O deputado-pastor Marco Feliciano (Podemos) pergunta se Cabo Daciolo (eleito e expulso pelo PSOL, hoje no Avante), evangélico porém crítico à bancada religiosa, já almoçou. 

“Estou num processo espiritual, fazendo um jejunzinho do Senhor”, responde Daciolo, que já correu sete voltas em torno do Congresso para “expulsar o demônio da corrupção”. Ao lado, com cara de paisagem, o líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini.

Em outra cena, fiéis que se dizem “ex-gays” participam de uma audiência ao lado de parlamentares evangélicos. Num dos cultos realizados todas as quartas na Câmara, Victório Galli (PSL) defende como única união possível aquela entre “macho” e “fêmea”. “Adão não vê um rosto barbudo quando acorda, vê o rosto liso, bonito de mulher.”

Evangélica pioneira no Parlamento, Benedita da Silva (PT) é um lado menos caricato, mas que não deixa de marcar sua posição: seu partido a libera para votar como bem entender em "questões morais”, como união homoafetiva, aborto e drogas. Ela costuma se alinhar aos colegas de fé. 

PRECONCEITO

Na primeira  metade, o filme se esforça para espanar uma ideia comum no meio progressista: a de que evangélico é tudo igual, um bicho reacionário que vai defender com unhas, dentes e Bíblia valores como “vida” (anti-aborto) e “família” (contra o casamento gay). “Há setores que nos olham como se fossemos homogêneos, até nos estereotipam”, reclama Bezerra.  

Lá estão, numa Parada Gay, fiéis da Igreja Luterana divulgando um “Jesus que cura a homofobia”. A Bíblia tem, sim, passagens que condenam relações entre pessoas do mesmo sexo —diz um versículo do Antigo Testamento define como “abominação” aquele que “deita com um um homem como se fosse mulher”.

Mas, se for para levar as Escrituras ao pé da letra, outra passagem diz que uma mulher menstruada não pode ir à igreja, lembra um dos luteranos. E aí? Quem vai seguir essa?

Em bate-papo sobre o filme na livraria Tapera Taperá, em março, o doutor em ciências pela religião pela PUC-SP Gedeon Alencar Freire falou sobre o desconhecimento dos “seculares” (como evangélicos se referem a quem não compartilha de sua fé) com o segmento  —como uma reportagem que citava a Renascer em Cristo, igreja que comanda a Marcha pra Jesus, como uma das mais conservadoras do país. Não é. Até UFC gospel a Renascer tem.

Para Gedeon, “a porra-louquice da esquerda intelectual que acha que só ela é capaz de perceber o mundo” atrapalha uma análise mais profunda sobre um movimento que já tem mais de cem anos no Brasil, mas que ganhou os holofotes políticos na última década, com presidenciáveis evangélicos como Marina Silva e Pastor Everaldo e a tumultuada passagem de Feliciano pela presidência da Comissão de Direitos Humanos, em 2013.   

Como disse Felipe Neves: “Em algum momento elefante atrás do muro apareceu”. E tão cedo não deixará a sala.

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