Impedimento da candidatura de Lula é expressão da crise brasileira, diz Janine Ribeiro

Professor participou de debate promovido pela Folha e pela Companhia das Letras

Philippe Scerb
São Paulo

O impedimento da candidatura de Lula é expressão clara da crise que atravessa a democracia brasileira. As instituições ainda abrem as portas e pagam salários a seus funcionários, mas erram os cientistas políticos que afirmam que elas estão funcionando. Afinal, o esgotamento de sua respeitabilidade foi avançando, de poder em poder, desde a reeleição de Dilma, passando pelo impeachment e as "pautas bombas" de Eduardo Cunha no Congresso, culminando no julgamento do habeas corpus de Lula no STF –em que uma juíza fez um voto “incompreensível”.

Essa é a opinião de Renato Janine Ribeiro, professor titular de filosofia e ética política da USP, que participou de debate promovido pela Folha e a Companhia das Letras, na última segunda (23), para marcar o lançamento do livro de sua autoria “A Boa Política – Ensaios sobre a Democracia na Era da Internet”.

Os artigos que compõem o livro contrastam, porém, com o tom grave do diagnóstico atual de Janine Ribeiro. Escritos, em sua maioria, ao longo das décadas de 90 e 2000, eles refletem o otimismo do autor com o avanço democrático que o mundo viveu desde os anos 1980 com o fim de ditaduras na América Latina e no leste europeu_ até meados da década iniciada em 2010.

Nesse período, sua noção de boa política, que implica a dosagem difícil entre princípios republicanos e democráticos, assim como liberais e socialistas, teria sido garantida em boa parte do mundo, inclusive no Brasil.

Acontecimentos como o Brexit e a eleição de Trump, porém, revelam a reversão de conquistas e o crescimento da instabilidade entre esses pares. Em resposta a Uirá Machado, mediador do debate e editor da "Ilustríssima", Janine Ribeiro afirmou que a grande questão que se coloca hoje é se “vamos abreviar esses parênteses ao avanço recente da democracia ou se teremos que conviver com ele durante muito tempo”.

Convidado para debater o livro, o historiador e cientista político Luiz Felipe de Alencastro, professor emérito da Sorbonne, compartilhou as inquietudes de Janine.

Ele recorreu à passagem do livro em que o autor relaciona a pasta da Educação ao conceito de liberdade para criticar o Mendonça Filho (DEM), ex-ministro de Temer, que teria tido “mão pesada ao mover processos contra cursos universitários que falam do golpe”.

Segundo Janine, o paradoxo de um ministro da Educação restringir a liberdade acadêmica remete ao fato de o atual governo ter um “vício de origem”. “Durante o governo Dilma, a crise [no ministério] se dava por falta de dinheiro, hoje ela é resultado de falta de legitimidade”.

Alencastro aproveitou o aniversário de 50 anos de maio de 68 para comentar o paralelo que Janine Ribeiro estabelece, no livro, entre os acontecimentos de Paris e as manifestações de junho de 2013, no Brasil.

O historiador, que viveu 37 anos na França, contestou o “mito” que se criou em torno da revolta parisiense. Segundo ele, é comum a ideia de que os operários bloquearam a revolução. “Mas não tinha revolução, a maioria dos franceses era contra a mobilização. E essa é a geração mais reacionária da Europa, é a mesma que elegeu o Sarkozy e votou pelo Brexit.”

Janine Ribeiro concorda com os argumentos de Alencastro, mas pontuou que “o mais importante é a memória que se construiu depois de 68”. E a novidade sociológica e política daquele fenômeno é que ninguém o havia previsto, exatamente como junho de 2013.

Interessa ao filósofo a “utopia desses movimentos, seu desejo de fazer tábula rasa do passado”, mesmo que não apresente resultados concretos imediatos. “Ninguém se lembra dos nomes dos deputados aliados a De Gaulle e eleitos em 68, mas o mundo novo ficou”.

Teoria e Prática

O grande objetivo do livro de Janine Ribeiro, inspirado em Maquiavel, era confrontar a teoria política com a realidade. Para além dos conceitos, seria preciso ver como a filosofia política se realiza na prática.

É com esse propósito, então, que ele aborda temas como o voto obrigatório, o desejo de consumo das massas, a necessária defesa dos direitos humanos e os limites da prática militante, entre outros.

Em um dos artigos, o autor lamenta o fato de o PT não ter incorporado ao seu discurso o elemento ético da luta contra a pobreza. Segundo ele, os discursos de Lula abordavam a dimensão do prazer e do conforto material ao enaltecer as conquistas de seu governo. Mas, ao ignorar o discurso ético, permitiu que a oposição assumisse seu monopólio.

“Há discurso pronto para condenar a corrupção no Brasil há 400 anos. O país se formou para isso.” A oposição de direita, assim como a mídia e setores conservadores, ignora a questão da miséria ao falar de ética, segundo ele.

“A direita, que se chama de centro por vergonha, não tem o que propor para a agenda da inclusão social”, afirmou. Janine Ribeiro não acredita que o tema central das eleições vai ser a corrupção. “Falta combinar com a população, que está preocupada com a pobreza.”

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