Lutar junto com PT não tira nossa autonomia, diz candidata do PSOL em São Paulo

Lisete Arelaro, que disputará o Bandeirantes, afirma que Lula é vítima de um processo fraudulento

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São Paulo

A pré-candidata do PSOL ao governo de São Paulo, a professora Lisete Arelaro, 72, diz que a proximidade com o PT em alguns temas não tira a autonomia de seu partido.

A pré-candidata do PSOL ao governo de SP, Lisete Arelaro - Karime Xavier / Folhapress

Ex-petista, como grande parte dos psolistas, ela justifica o apoio à libertação de Lula como parte da solidariedade entre legendas de esquerda.

Como a senhora entrou na política?

Estive na fundação do PT nos anos 1980, mas não sabia muito bem, pois tinha minhas dúvidas se seria mais tradicional. Estávamos saindo de um momento muito complicado no país. Sou de uma geração que foi estimulada a se interessar em grêmios e lideranças estudantis, tive toda uma história. Um partido que aceitasse a diversidade de movimentos sociais me interessava. Me filiei formalmente em 1981. Fiz o primeiro plano de governo do Lula, quando ele saiu candidato ao governo do Estado, em 1982. Já tenho até uma experiência em formular planos. Sou professora há 50 anos e naquele momento a gente criou a área de educação no PT. Me desliguei no dia 2 de novembro de 2003, dia simbólico, dos mortos, por causa da reforma previdenciária proposta no primeiro mandato de Lula como presidente (2003-2006), que não estava no programa de governo.

Então o que a senhora viu na teoria, na prática era totalmente  diferente?

Não diria totalmente, mas, algumas coisas, sim. Uma delas, particularmente, a reforma da Previdência, que naquele momento histórico foi a divergência para a minha saída.

E como o PSOL entrou em sua história?

Participei ativamente do PT, fui da direção estadual, de lá fui trabalhar com Luiza Erundina (1983–93) e Paulo Freire na área de educação na Prefeitura de São Paulo e depois, em Diadema, nas duas gestões de José di Filippi  Júnior (1993-96) e (2001-04). Saí em 2002 para ser candidata a deputada estadual [obteve 38 mil votos, não foi eleita] e, no ano seguinte, me desfiliei.

Esperei dez anos [entrou no PSOL em 2013] para readmitir a importância de um partido político, entre o que prega e o que faz. Pensei muito, mas, quando pensei, aderi. Foi muito sofrido, por ser a história da minha vida, mas, saí convicta. Estava em busca do novo “partido dos trabalhadores”. E estou bem feliz de estar aqui.

Como a senhora avalia o caso da  vereadora Marielle Franco [morta no mês passado]?. A partir da história dela, muitas mulheres podem se engajar ou terem medo de ingressar na política?

O caso dela é um símbolo neste momento histórico do Rio de Janeiro, que está desarticulado e empobrecido. É importante ter vozes como as dela, que superam a situação e defendem de forma coerente grupos de sua origem, como muitas mulheres faziam na ditadura. Acredito, portanto, que a história dela possa incentivar outras.

Estamos vivendo um momento em que efetivamente não se acredita mais em gestão democrática, não se estimula mais grêmios estudantis, manifestações. O Brasil ainda é muito ditatorial. É uma vertente a ser reconstruída no país.

O que a senhora acha de a USP ter mensalidades?

Faz parte do pacotinho dos grupos neoliberais. Você não pode ter instituição pública de qualidade pois levaria a ter que rediscutir que o Estado é competente. E entre ser pago e privatizado é um passinho. Estamos virando de novo quintal dos EUA. A USP está sofrendo uma interferência externa que nunca tivemos. Nosso último reitor disse que preservaria a universidade e que atenderia os movimentos sociais. Acabou não recebendo nunca ninguém.

Hoje, parte do Hospital Universitário está fechada, mais de 400 mil pessoas deixando de serem atendidas. Era um local de estágio de excelência para os nossos alunos. Eles querem forçar as privatizações. O governo Alckmin gasta com educação menos do que no Piauí.

Qual a sua opinião em relação às cotas nas universidades?

As cotas são uma forma de democratizar as universidades. Foi uma das melhores coisas que aconteceram no governo Dilma. Todos os estudos, até de quem é contra, dizem que a evasão diminuiu. Devemos ter menos ProUni e mais ProUni Estatal. É ter uma bolsa pública e não para o empresário. Se o jovem não tem apoio nenhum, vai render menos. O projeto de cotas na USP é ainda modesto. Na hora que alunos pobres entrarem em medicina, engenharias e economia, as coisas vão mudar.

O que acha do atual ensino médio nas escolas estaduais?

Do ponto de vista estatístico, temos profissionais suficientes. Mas, não temos boas condições de trabalho, um incentivo para os jovens serem professores. São os profissionais que ganham menos em relação às outras categorias. O que o Alckmin está fazendo com 60 alunos por sala é um suicídio. Laboratórios de química e física são essenciais. Antigamente, tínhamos aulas em que avaliávamos nosso tipo sanguíneo. São coisas simples, mas, que fazem diferença. É um absurdo uma escola técnica alugar seus laboratórios para escolas privadas. Por isso me propus a ser candidata, para lutar contra as privatizações na educação, saúde, cultura… As pessoas aqui acham antigo falar do investimento estatal.

O que achou do governo Doria [pré-candidato ao governo do Estado pelo PSDB] em São Paulo e de bandeiras que teve como privatizações e asfalto?

Você pode andar pela cidade. Se Doria andasse menos de helicóptero e mais a pé veria mais a situação da cidade. Aliás, tenho impressão de que ele está asfaltando outra cidade. Eu moro em Perdizes, um bairro de classe média, e o asfalto está ruim. Vou também na periferia da zona leste para fotografar a situação e dizer: “Escuta, cadê o asfalto maravilhoso que você fez?”. Esses mutirões do Cidade Linda só foram para tirar fotos. A coisa melhor de Doria foi a companhia de propaganda. Ele gastou mais com marketing do que na educação e saúde. Ele fez do setor público uma empresa privada. Ele não sabe o que é a cidade de São Paulo.

Espero que a população entenda esse equívoco. O número de votos brancos e nulos foi maior, mas ele criou essa ideia de que foi preferido, o "gestor".

Eu gosto de falar que todo professor é político. Há 50 anos eu discuto e faço política educacional. O que é ser político? É se colocar diante dos interesses da população e não dos particulares.

Em relação à segurança, temos há muitos anos um incentivo para que os policiais matem mais as pessoas. Quem mata mais é condecorado, sobe na carreira. Só matam basicamente negros, pobres e periféricos. A polícia de São Paulo é a que mais mata no Brasil e na América Latina. A gente fala isso, mas não é um discurso padrão. Qualquer especialista em segurança pública diz que a situação é pior do que a de um país em guerra, como a Síria. A maior razão de morte da nossa juventude é por assassinatos.

E o que precisa de fato ser feito?

É preciso haver um processo de reeducação no tratamento com a população. Ou colocamos a polícia como proteção aos cidadãos ou chegaremos ao nível de as pessoas estarem armadas. Hoje é temerário um jovem sair à noite sozinho. Os casos de assassinatos cometidos por policiais devem ser investigados. Parece que falar em direitos humanos significa defender assassinos. Quem dera se o país levasse essa discussão a sério.

Muitos policiais competentes estão pedindo cursos de direitos humanos, pois têm a consciência de que matar é crime. Além disso, é preciso de um bom salário para que não seja um corrupto e nem um corruptor.

Bolsonaro fala porque tem boca, fazendo discurso terrorista que não tem seriedade. Há um estímulo equivocado à violência. Ele fala um pouco do que acha que a população quer ouvir. A população quer ouvir que quer sair com segurança e que possa ir até um policial que vai atender bem. Precisa também haver alternativas aos jovens, projetos inovadores.

Como foi a atitude de Alckmin diante da crise da água em 2015?

Tem que fazer investimento público na Sabesp não para garantir lucro, mas, sim qualidade. Toda propaganda hoje é para privilegiar a iniciativa privada. Recebi uma cartinha da empresa para poupar água pois é um recurso que pode acabar, mas que incentiva o lucro dos acionistas, cobrando mais de quem economiza. Isso é uma contradição. Quero que o governo Alckmin explique isso.

No Metrô, há diversas obras paradas, entre elas as da linha 6 laranja, que têm investimentos de empreiteiras investigadas na Lava Jato. Caso eleita, o que pretende fazer?

Espero que não se consolide a combinação que Alckmin já fez com setor privado de privatizar a linha lilás do Metrô, que teve todo um investimento estatal. Onde está a competência se há 14 anos muitas coisas estão no papel? Quanto mais as obras demoram, melhor para os setores privados terem caixa dois, três, quatro…. É uma vergonha a ação do Judiciário protegendo o PSDB. Se eleita, vamos fazer uma auditoria em todos os projetos que estão em andamento. É um absurdo as empresas privadas cuidarem do Estado. Alguém sabe o que aconteceu com aquele buraco nas obras da linha 4 amarela?. Não se falou mais nisso. Quem ganhou com a privatização do Banespa?.

Já se estabeleceu alguma CPI contra Alckmin?.Temos um Legislativo totalmente domesticado. É um poder morto. Precisamos de uma bancada independente. Torço para que a gente possa realmente crescer.

Como a senhora avalia a aproximação do PT com o PSOL? O que acha da amizade entre Lula e Guilherme Boulos [pré-candidato à Presidência pelo PSOL]?

São duas coisas completamente diferentes. Uma coisa é um partido, nós temos um programa, além de candidatos próprios e um estatuto que nos diferencia claramente do PT. Não saí do partido por estar cansada e sim por divergências políticas e ideológicas. Então, evidentemente que as relações pessoais são mantidas. E nós temos atividades em comum na luta por um país democrático, nas lutas mais amplas. Na questão eleitoral, vamos manter nossa autonomia, isso já está dado. Acho que nossa linha programática é bem diferente do PT. Muitas vezes a própria direita diz que somos 'puxadinho' do PT. É uma tentativa de desclassificar um partido que tem sido aguerrido, mesmo com um número menor de deputados e vereadores, e tem realmente elevado as causas sociais a um padrão de denúncia, ação e mobilização que é bastante grande.

Muitos falam que o PSOL será um novo PT…

O PT ainda tem base sociais, e obviamente se quiserem vir para o PSOL, não temos restrições. Mas os movimentos sociais estão começando a perceber exatamente quem de fato os defende e quem tem ações concretas por militância. Temos nossa autonomia e defendemos que haja vários partidos. Temos ligações históricas e pessoais. A ligação do Boulos e Lula é pessoal e será mantida. Ele faz o que quiser. Politicamente temos nossa total  independência, tanto é que ele é nosso candidato.

Mas o fato de Boulos estar com o Lula não prejudica a imagem do partido?

Ele não está com Lula. Ele conhece e respeita a história dele, pois Lula está sendo uma vítima de um processo fraudulento no Brasil. Isso é solidariedade democrática. Sempre acontece isso nos setores progressistas. Nunca a direita foi objeto de um processo fraudulento. Ao contrário. Aqui, o mesmo juiz, que não vou falar o nome para não promovê-lo gratuitamente, arquiva os processos sistematicamente por decurso de prazo. É uma estratégia jurídica bastante conhecida. Esses dias encontrei um ex-malufista que admitiu que o processo contra Lula é político, pois o processo contra Paulo Maluf demorou 50 anos. E a denúncia contra José Serra, que foi arquivada? Eles todo têm contas na Suíça.  E Paulo Preto vai realmente ficar preso? É uma resposta que todo cidadão brasileiro está louco para saber.

Lula não é um líder popular a troco de nada. Temer para dar posse ao novo presidente do BNDES fez tudo fechado pois não pode realmente andar no meio do povo. Corrupto ou não, o Lula pode andar no meio do povo e tem aprovação, pois teve seu legado.

Quem deles que pode andar no meio do povo como Lula? Se Boulos é coordenador de um movimento social popular, é evidente que vai encontrar com Lula. Eu saí do PT e não significa que não possa tomar uma cerveja ou almoçar com eles. Temos nossa independência mas, não quer dizer que nossos programas não se misturem.

Com a ascensão de candidatos como Bolsonaro nas pesquisas, é o caso de a esquerda se unir?

Volto a dizer. A esquerda está unida nas grandes questões. A subida de Bolsonaro é um fenômeno passageiro. Mas é um fenômeno em que a própria mídia tem estimulado um certo tipo de discurso raivoso, contra os pobres e o próprio desenvolvimento do país. Qualquer contestação é considerada terrorista. No caso específico do Bolsonaro, ele responde também a um momento em que as pessoas se sentem inseguras e em que o país está surpreso com o que aconteceu nos EUA. Quando você tem essas falsas figuras nacionalistas, que se aproveitam de um momento, eles sobem. Mas, nas eleições, eles descem. Eu acredito no bom senso dos brasileiros.

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