Descrição de chapéu estados unidos

Comissão Nacional da Verdade vê falta de cooperação dos americanos

Advogada Rosa Cardoso diz lamentar que EUA não tenham repassado ao órgão documento da CIA sobre prática de tortura

A advogada Rosa Cardoso, coordenadora da Comissão da Verdade, que investigou crimes da ditadura  - Nacho Doce/Reuters
Rubens Valente
Brasília

Ex-coordenadora da CNV (Comissão Nacional da Verdade), a advogada Rosa Cardoso lamentou que o órgão não tenha recebido do governo dos EUA o memorando produzido em 1974 pela CIA, a agência de inteligência dos EUA, que implicou três ex-presidentes da ditadura militar (Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo) em uma política de execuções sumárias de adversários do governo.

"Faltou cooperação nesse ponto", disse a advogada, para quem o documento não muda as conclusões principais da comissão, mas representa uma importante confirmação.

Rosa ressaltou que o relatório final da CNV, entregue em dezembro de 2014, responsabilizou os agentes públicos do alto escalão da ditadura, incluindo os três generais.

Vinculada à Presidência da República, a CNV funcionou de 2012 a 2014 com o objetivo de investigar graves violações aos direitos humanos ocorridas no Brasil de 1946 a 1988.

A surpresa dos membros da CNV com a localização do documento na internet, feita pelo professor da FGV Matias Spektor, colunista da Folha, é maior porque houve um esforço da comissão em obter documentos inéditos nos EUA, que incluiu o envolvimento pessoal da então presidente, Dilma Rousseff (2011-2016).

Durante uma viagem aos EUA em junho de 2015, Dilma pediu ao presidente Barack Obama (2009-2017) que liberasse documentos de interesse dos historiadores sobre o regime militar brasileiro.

A resposta ocorreu um mês depois, com a entrega no Brasil de um acervo de 538 conjuntos de documentos. Embora a CNV já estivesse encerrada, os papéis foram anexados ao acervo da comissão e enviados ao Arquivo Nacional. 

No ano anterior, os EUA haviam feito outras duas remessas, com um total de 156 documentos, em resposta a uma carta enviada a Obama pela CNV.

Datada de agosto de 2012, a carta foi assinada pelo então coordenador da CNV, o ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp, e encaminhada aos EUA pelo então chanceler brasileiro, Antonio Patriota.

A carta pedia a Obama "apoio e consideração" no sentido de determinar ao governo a autorização de acesso a registros relevantes em poder de setores diversos, como a CIA, o Departamento de Estado e o FBI. A CNV queria acesso a "documentos que possam jogar luz sobre a repressão e a violência policial que ocorreram no Brasil".

"Considerando documentações dos EUA anteriormente desclassificadas sobre o Brasil e a pesquisa em papéis ainda sigilosos, nós acreditamos que os arquivos dos EUA são ricos em registros relativos a violações de direitos humanos que podem ser altamente relevantes para nossa investigação", escreveu a CNV na carta.

A comissão enviou junto com a carta um apêndice com nomes de figuras de proa do período militar, incluindo Médici, Geisel e Figueiredo, que mereceriam uma pesquisa nos arquivos americanos. "Nossa esperança é que esse apêndice possa ajudar as agências governamentais dos EUA a pesquisar, localizar, revisar e liberar registros relevantes sobre o Brasil", diz a carta.

Em carta enviada ao Itamaraty nesta sexta-feira (11), o filho do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), assassinado sob tortura durante a ditadura, Ivo Herzog, pediu ao ministro Aloysio Nunes que solicite ao governo norte-americano "a liberação completa dos registros realizados pela CIA que documentam a participação de agentes do Estado brasileiro em operações para torturar ou assassinar cidadãos brasileiros" durante a ditadura militar.

Procurada, a assessoria da Embaixada dos EUA não foi localizada pela Folha no início da noite desta sexta.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.