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Morre, aos 86 anos, o jornalista Alberto Dines

Jornalista desde 1952, Dines estava internado em São Paulo

São Paulo

O jornalista Alberto Dines morreu nesta terça-feira (22) aos 86 anos. Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Segundo sua esposa, Norma Couri, o jornalista foi levado ao hospital há dez dias, em decorrência de uma gripe que evoluiu para pneumonia, e faleceu devido a problemas respiratórios.
 
Nascido no Rio em 19 de fevereiro de 1932, começou na profissão em 1952, como crítico de cinema, na revista A Cena Muda. De 1962 a 1973, dirigiu a Redação do Jornal do Brasil em um de seus períodos mais inovadores e criativos. A reforma do diário carioca, consolidada sob sua direção, modernizou o jornal e serviu de modelo para vários outros veículos brasileiros.

Em 1970, recebeu o Prêmio Maria Moors Cabot da Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Cinco anos depois, tornou-se diretor da sucursal do Rio da Folha —antecipando o movimento de abertura do então presidente Ernesto Geisel, o jornal reforçava sua equipe jornalística e abria suas páginas para articulistas de todas as tendências.

Na Folha, Dines lançou em 1975 a coluna "Jornal dos Jornais", crítica sistemática dos meios de comunicação no país. "Eu estava vindo do episódio Watergate, nos Estados Unidos, e tinha visto a imprensa, depois da derrubada do Nixon, criar mecanismos de autocrítica para evitar os excessos, a arrogância de uma imprensa vitoriosa", relatou ele no projeto História Oral do Banco de Dados da Folha.

Reprodução da primeira coluna "Jornal dos Jornais", na edição de 6/7/1975 da Folha
Reprodução da primeira coluna "Jornal dos Jornais", na edição de 6/7/1975 da Folha - Folhapress

Dines dizia que "a imprensa é tão perigosa quanto qualquer outro poder quando é arrogante", e que a brasileira "estava muito acomodada à autocensura". "Seria interessante que a Folha, que pretendia dar uma despertada nesse torpor, tivesse também uma coluna onde pudesse estimular o jornalismo independente, autônomo." Foi, dessa forma, precursor da função de ombudsman.

Nos anos 1990, assinou também uma coluna no jornal. Nessa década, foi o responsável pela criação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor - Unicamp), no qual lançou o Observatório da Imprensa, jornal de crítica e debate sobre o jornalismo contemporâneo que passou a ter uma edição eletrônica em 1996 e uma versão na TV Educativa do Rio de Janeiro em 1998.
 

Nas últimas duas décadas, Dines dedicou-se a fomentar o jornalismo com as atividades no Observatório e no Projor, onde coordenou projetos de capacitação em técnicas de redação, de acesso ao mercado publicitário, em gestão financeira e administrativa e em tecnologia a veículos de menor porte.

Além de treinamento, a atuação no Projor focava a promoção de boas práticas da profissão. "Era, acima de tudo, um grande sonhador, achava que o jornalismo poderia melhorar o mundo ao denunciar as suas mazelas e apontar caminhos para um convívio mais civilizado", escreveu em seu blog o jornalista Ricardo Kotscho, seu amigo há muitos anos.

Como jornalista, trabalhou ainda nas revistas Manchete, Visão e Fatos e Fotos, nos jornais Última Hora, Tribuna da Imprensa e Diário da Noite, no semanário O Pasquim e, como colunista, na edição brasileira do jornal espanhol El País. No Grupo Abril, foi secretário editorial.

Durante a ditadura militar, coordenou duas edições do Jornal do Brasil que se tornaram históricas pela ousadia. Em 14 de dezembro de 1968, um dia após a promulgação do AI-5, a capa do jornal publicou no canto esquerdo superior a seguinte previsão do tempo: "Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx: 38º, em Brasília. Mín: 5º, nas Laranjeiras".

Na morte do então presidente chileno (1970-1973) Salvador Allende, driblou a proibição de qualquer manchete sobre o caso publicando uma capa sem título. A primeira página trazia, no entanto, longo texto noticiando a morte de Allende, o que levou à demissão de Dines, segundo seu relato.

Capa do Jornal do Brasil anuncia, sem manchete, a morte do presidente chileno Salvador Allende
Capa do Jornal do Brasil anuncia, sem manchete, a morte do presidente chileno Salvador Allende - Folhapress

​Na área acadêmica, criou em 1963 a cadeira de jornalismo com­parado na Faculdade de Jornalismo da PUC-RJ e, em 1965, a de teoria da imprensa. Foi professor visitante na Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Entre 2011 e 2013, lecionou história do jornalismo em curso de especialização da ESPM. 

“Era um excelente professor, embora não tivesse diploma universitário, e sempre lembrava disso", diz o professor titular da Escola de Comunicação e Artes da USP Eugênio Bucci, coordenador do curso da ESPM. ​Bucci relata que Dines entrava na sala de aula com uma maquete da prensa de Gutenberg, que permitiu a impressão em massa de livros e dizia: “Foi aqui que tudo começou”.

Lançou 15 livros, entre ficção, reportagem e técnicas jornalísticas. Ganhou o prêmio Jabuti em 1993, por "Vínculos de Fogo", na categoria Estudos Literários (Ensaios).

Suas demais obras são "Vinte Histórias Curtas", "Os Idos de Março e a Queda de Abril", "O Mundo Depois de Kennedy", "Jornalismo Sensacionalista", "Comunicação e Jornalismo", "Posso?", "O Papel do Jornal", "E Por Que Não Eu?", "A Imprensa em Debate", "Morte no Paraíso - A Tragédia de Stefan Zweig" (que inspirou o longa "Adeus, Europa", da diretora e atriz alemã Maria Schrader) , "O Baú de Abravanel", "20 Textos que Fizeram História", "As Transformações da Revolução Global e o Brasil" e "Diários Completos do Capitão Dreyfuss".  ​
 
Dines chegou a ser preso em 1968 após o AI-5, por ter feito um discurso como paraninfo de uma turma da PUC-RJ, criticando a censura.
 
Ele deixa quatro filhos, de seu primeiro casamento, com Ester Rosali, sobrinha do empresário de mídia​​ Adolfo Bloch —fundador da revista e da rede de televisão Manchete, ambas extintas. Casou-se uma segunda vez, com a jornalista Norma Couri.

O velório será nesta quarta (23), às 10h, e o enterro às 13h30, no Cemitério Israelita em Embu das Artes (SP).

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