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Morre jornalista Audálio Dantas aos 88 anos

Ele foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de SP e recebeu prêmio da ONU por defender os direitos humanos

Audálio Dantas na festa de 45 anos da TV Cultura, em São Paulo - Bruno Poletti - 24.set.2014/Folhapress
São Paulo

Morreu nesta quarta-feira (30) o jornalista e escritor Audálio Dantas, aos 88 anos, no Hospital Premiê, em São Paulo, onde estava internado desde abril. Ele tratava um câncer de intestino desde 2015, quando foi operado, mas a doença acabou por atingir o fígado e os pulmões depois disso. 

O repórter era conhecido por seu olhar humanitário sobre os temas do cotidiano e sua atuação em prol da defesa de direitos durante a ditadura militar, característica que lhe rendeu, em 1981, o Prêmio de Defesa dos Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).

Nascido em Tanque D'Arca, pequeno município do agreste alagoano, Audálio iniciou a carreira no jornalismo aos 17 anos. Vindo do Nordeste para a capital paulista, o filho de um comerciante e uma dona de casa revelava imagens do fotógrafo Luigi Mamprin, no jornal Folha da Manhã, um dos títulos que dariam origem à Folha

Uma das reportagens que marcaram sua história se deu numa apuração sobre a favela do Canindé, às margens do Tietê, em São Paulo. Lá, o repórter conheceu Carolina de Jesus, moradora local que registrava um diário do seu cotidiano de fome, violência e dificuldade em criar os três filhos pequenos trabalhando como catadora de papel.

Os escritos de Audálio revelaram Carolina, que mais tarde se tornaria best seller, publicando livros no Brasil e no exterior, o mais famoso deles "Quarto de Despejo", de 1960.

Sua personalidade também ficou evidente quando assumiu a presidência do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, à época do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Audálio denunciou que Herzog havia sido torturado e morto no DOI-CODI, contrariando a versão oficial do governo, que falava em suicídio.

No enterro de Vlado, Audálio declamou a poesia "'Navio Negreiro", de Castro Alves, para as 600 pessoas presentes. "Senhor Deus dos desgraçados, Dizei-me Vós, Senhor Deus, Se é mentira, se é verdade, Tanto horror perante os céus", dizia parte do texto.

Após isso, em 1978, sua atividade sindical lhe rendeu um mandato como deputado federal por São Paulo, pelo antigo MDB (1979-1983). Audálio também foi o primeiro presidente eleito por voto direto da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). Até esta quinta, integrava o conselho consultivo da ABI (Associação Brasileira de Imprensa).

A carreira de Audálio também registra passagens como redator e chefe de reportagem na revista O Cruzeiro, publicação que deixou para ser editor de turismo na revista Quatro Rodas.

Ele foi correspondente de guerra em Honduras pela Veja e trabalhou na revista Realidade, onde produzia reportagens sobre as mudanças econômicas e sociais por que passava Minas Gerais. Foi chefe de Redação da revista Manchete e editor da Nova.

Escritor, Audálio lançou livros, dentre eles "As Duas Guerras de Vlado Herzog" (Record), pelo qual recebeu o prêmio Jabuti e o prêmio Juca Pato de Intelectual do Ano, em 2013.

O jornalista completaria 89 anos no próximo dia 08 de julho. Deixa a mulher Vanira Kunc, quatro filhos e netos. O velório ocorre no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, a partir das 10h (rua Rego Freitas, 530, Vila Buarque). 

Autoridades e amigos lamentam morte

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) lamentou a morte de Audálio Dantas. "Foi um batalhador. Sua ação no combate à ditadura foi constante e firme. A voz jamais calou e a presença fez-se notar sempre. Deixa um nome íntegro e saudades.”

O governador do estado de São Paulo Márcio França falou do jornalista em nota. "O interesse pela política nacional e os direitos humanos marcaram a atuação profissional de Audálio Dantas. O Brasil estava no centro de suas preocupações. Ele deixa seu nome gravado na história da imprensa paulista e brasileira."

O jornalista Ricardo Kotscho também recebeu com tristeza a notícia da morte do seu amigo, a quem visitou no hospital há poucos dias.

"Nas nossas últimas conversas, ele já estava desesperançado de que a nossa geração ainda conseguisse ver o Brasil com que sonhamos a vida toda, mais justo, mais humano, mais decente", escreveu em seu blog. 

Ele descreve Audálio como um "sertanejo valente dos sertões das Alagoas, um brasileiro de muito talento e firmeza, um dos protagonistas da passagem da ditadura para a democracia quando falar a verdade era correr risco de vida".

Chico Pinheiro, apresentador e jornalista da TV Globo, também lamentou a morte do colega de profissão. "Audálio, grande amigo e mestre. Daqui de Portugal, lamento profundamente perder você, meu presidente e amigo", escreveu no Twitter. 

Em nota, o Instituto Vladimir Herzog comentou a morte do repórter alagoano. "Sob a direção dele, o Sindicato dos Jornalistas se tornou uma das principais trincheiras, uma referência para a sociedade na luta contra a repressão."

"Em defesa do Estado de Direito, da verdade, da justiça e da memória do amigo que acabara de ter a vida interrompida, Audálio enfrentou os poderosos do momento e exigiu que a morte de Herzog fosse esclarecida", diz a nota. "Audálio foi testemunha e protagonista, escreveu a história e nela foi inscrito."

O escritor Laurentino Gomes, autor de "1808" (Planeta) e "1822" (Globo Livros), também lamentou a morte em rede social.

"Triste pela morte do meu amigo pessoal, exemplo de coragem e de lucidez para todos os jornalistas de nossa geração. Era inteligente, divertido, generoso. Lutou pela democracia como poucos. Fará muito falta neste Brasil tão carente de luz e de esperança", escreveu no Twitter.

O jornalista e professor da USP Eugênio Bucci disse que Audálio foi uma liderança para a categoria no início dos anos 1970 e se projetou rapidamente no cenário nacional. "Por um lado, essa projeção que ele alcançou mostra o talento pessoal que ele tinha, o carisma. De outro, mostra que o sindicato dos jornalistas, naqueles tempos, tinha um peso relativo superior ao que teria uns poucos anos depois", afirmou à Folha.

"Ele m anteve uma linha de coerência até o final da vida. É um nome que orgulha a nossa categoria profissional, e uma influência que ilumina a função pública da imprensa", disse Bucci.

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