Em despacho sobre Dirceu, Moro diz que decisão de Toffoli muda entendimento sobre tornozeleira

Juiz lamenta que imposição de medida cautelar tenha sido interpretada como descumprimento

Curitiba e São Paulo

O juiz Sergio Moro lamentou nesta terça-feira (3) que a imposição de medidas cautelares contra o ex-ministro José Dirceu tenha sido interpretada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como "claro descumprimento" do habeas corpus concedido pela corte na última terça (26).

Nesta segunda (2), o ministro Dias Toffoli, do STF, cassou decisão de Moro que determinava o uso de tornozeleiras eletrônicas para Dirceu, afirmando que o juiz havia extravasado sua competência. Toffoli argumentou que o habeas corpus assegurava "liberdade plena" ao reclamante.

O juiz Sergio Moro, durante palestra na Universidade Harvard, nos EUA, sobre crimes de colarinho branco.
O juiz Sergio Moro, durante palestra na Universidade Harvard, nos EUA, sobre crimes de colarinho branco. - Linimberg Photography - 16.abr.2018/Divulgação

No despacho desta terça (3), Moro ressaltou que medidas cautelares haviam sido autorizadas pelo próprio Supremo após a corte revogar a prisão preventiva de Dirceu, em maio de 2017, antes de sua condenação em segunda instância.

​"Não se imaginava (...) que a própria maioria da Colenda 2ª Turma do STF que havia entendido antes (...) apropriadas as medidas cautelares (...), teria passado a entender que elas, após a confirmação na apelação da condenação a cerca de vinte e seis anos de reclusão, teriam se tornado desnecessárias. Entretanto, este Juízo estava aparentemente equivocado", escreveu Moro.

O magistrado também argumentou que o Juízo Distrital, provisoriamente encarregado da execução da pena de Dirceu, que ficou preso no Complexo da Papuda, determinou que o ex-ministro se reapresentasse à 13ª Vara Federal de Curitiba para dar continuidade ao cumprimento das medidas cautelares.

Ainda assim, obedecendo a decisão do STF, o magistrado pediu que as autoridades policiais e o juízo da execução provisória sejam comunicados da revogação das medidas cautelares. 

Especialistas ouvidos pela Folha divergem sobre a decisão de Moro. 

Rodrigo Felberg, professor de direito penal da Universidade Mackenzie, disse que caberia ao ministro do Supremo e não a Moro a decisão de determinar medidas cautelares, se achasse necessário.

“Não gosto de demonizar o Moro como fazem os criminalistas, mas neste caso ele errou”, afirma. “O juiz que solta é o que determina medida cautelar. Como foi o Supremo que soltou o José Dirceu sem medidas cautelares, não havia nada que o Moro pudesse fazer.”

Segundo Felberg, o juiz não tinha mais competência para se manifestar sobre Dirceu porque já havia julgado o processo.

O professor titular de direito penal da USP Renato Melo Jorge Silveira também afirma que Moro extrapolou ao mandar colocar a tornozeleira. 

“Se a corte superior tomou a decisão, não poderia haver ponderações do juiz de primeira instância. Se o Supremo não determinou o uso de tornozeleira, o juiz de primeiro grau não pode mudar uma decisão do Supremo”, diz.

Segundo Silveira, a determinação sobre o monitoramento não era uma simples execução penal, mas uma nova medida cautelar, para a qual Moro não tinha mais competência.

“Se a decisão do Supremo sobre a soltura está certa ou errada, é outra questão”, afirma.

Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV, no entanto, diz considerar que Moro estava certo. 

“Não há, naquele habeas corpus que eles [STF] deram, uma avaliação sobre as cautelares. Então, para derrubar as cautelares, é preciso ter uma decisão sobre elas”, diz Glezer. 

O especialista ressalta que Dirceu usava a tornozeleira antes da condenação em segunda instância. “Cai a prisão em segunda instância, é natural imaginar a volta das cautelares.” Segundo ele, não seria o STF o responsável a determinar o uso ou não de tornozeleira, porque a corte só faz “um controle de ilegalidades”, e a revisão sobre medidas cautelares deve ser feita no primeiro grau. 

Em Portugal, onde participou de um seminário na Universidade de Coimbra, Toffoli não quis dar entrevista.

Ana Luiza Albuquerque, Isabel Fleck e Mario Cesar Carvalho

Colaborou Ricardo Ribeiro, em Coimbra

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