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Eleições 2018

Binário, livro sobre bancada evangélica dá corda para ringue ideológico

'Em Nome de Quem?' falha ao simplificar tempos tão cubistas quanto os nossos

Anna Virginia Balloussier
São Paulo

O que é a bancada evangélica? Há várias formas de responder essa pergunta. As mais reducionistas têm a profundidade de um mergulho com boia. Aqui se atolam os que veem a frente parlamentar como intrinsecamente boa (“é de Deus!”) ou má (“Deus me livre!”), como se uma análise chapada pudesse dar conta de um mundo tão cubista quanto o nosso.

“Em Nome de Quem? A Bancada Evangélica e seu Projeto de Poder” flerta com essa visão binária ao destrinchar uma das forças mais sobressalentes do atual Congresso.

A indagação estampada na capa já traz a conclusão implícita: melhor os parlamentares que evocam Deus para impor suas agendas reacionárias tirarem o cavalinho da chuva, pois não falam por todos os evangélicos. Certo. 

Afinal, se essa bancada já é diversa, indo da petista Benedita da Silva ao pastor Marco Feliciano, o que dizer desse bloco religioso que representa três em cada dez brasileiros?  

Bancada evangélica realiza culto evangélico na Câmara dos Deputados em Brasília
Bancada evangélica realiza culto evangélico na Câmara dos Deputados em Brasília - Anna Virginia Balloussier - 5.abr.2017/Folhapress

E quem fala por eles? Quem está interessado em entender por que votam como votam, sem tachá-los ora de massa de manobra coitadinha, ora de tão beócios quanto aqueles que elegem? É aqui que o título do livro da jornalista Andrea Dip sai pela culatra. 

Também ela não fala em nome deles. Não se esforça para complexificar esse segmento, sobretudo por carregar nas tintas progressistas ao escolher recortes que realçam o lado pitoresco dessa trincheira congressista. Conservador vira sinônimo de atraso. Como chamar alguém para o diálogo se, de cara, você insinua que suas demandas são boçais?

Erros que os dois lados cometem, diga-se de passagem. Conservadores não parecem interessados em se conectar com o outro polo ao publicarem obras como “Esquerda Caviar” (Rodrigo Constantino). 

Já a filósofa Márcia Tiburi, candidata do PT ao governo do Rio, lançou o seu “Como Conversar com um Fascista”, título que soa como provocação para quem já vê na esquerda um inimigo natural.
Mal comparando, é como um livro que recontasse os anos petistas focando quase que exclusivamente nas denúncias de corrupção. Não seria justo diminuir essa passagem da nossa história a isso.  

O destaque para entrevistados críticos à bancada dá à obra de Dip um tom mais ativista do que curioso —esse adjetivo indispensável para quem quer passear por um universo tão alienígena ao seu.  

Líder do MTST e agora presidenciável do PSOL, Guilherme Boulos compara a frente a um “desastre”. A pesquisadora Bruna Suruagy a vê como “barulhenta, intempestiva”, e “esse barulho cria a impressão de quantidade de poder”, uma “estratégia de parecer maior do que é, pelo grito”.

Um dos pastores com maior voz é Ariovaldo Ramos, minoria progressista no meio. Para ele, líderes evangélicos que se aliam a partidos de direita “serão os maiores lesados pelo golpe em curso e pela estupidez da elite branca brasileira”, pois “a igreja é, em sua maioria, feminina, pobre e preta”.

Quando dá espaço aos representantes da bancada que se propõe a analisar, o livro pinça o tipo de declaração que faz progressistas enjaularem evangélicos num zoológico social. Diz Pastor Eurico (PHS-PE) ao debater uma PEC para reduzir a maioridade penal: “O nosso sistema [carcerário] tem que mudar? Tem. A condição é sub-humana? É. Vive feito bicho? Vive. Mas não fui eu que cometi crime. Todo menino bandido agora passou a ser boa pessoa. O que esse pessoal quer? Pega os meninos e leva para casa”.

Ser compreensivo não significa ser cúmplice. Em vez de querer “lacrar”, essa máxima dos nossos tempos que implica em deixar o oponente no chinelo, seria mais producente buscar entender o que leva alguém a apoiar um discurso desses —o que pede uma dose caprichada de empatia para quem está no polo avesso dessa Guernica ideológica. 

Em março, a Folha conversou com eleitores de Jair Bolsonaro e ouviu de um deles, um rapaz criado na periferia paulistana: “Enquanto  intelectuais estão preocupados com banheiro unissex, ele está falando dos 60 mil assassinatos que acontecem todo ano no Brasil”. Claro que dá para discordar dos métodos de Bolsonaro para resolver esse problema. Mas o fato é que, por algum motivo, ele responde a um anseio popular, enquanto outros setores não estão dando conta de fazer o mesmo.

Também não ajuda o livro por vezes parecer um jogo dos sete erros, com derrapadas factuais feias. Outrora prócer do MDB, Eduardo Cunha é  descrito como “um dos integrantes envolvidos em escândalos” do PSC. A certa altura a Igreja Universal, locomotiva neopentecostal, é enquadrada como pentecostal, diferença conceitual importante.

E Bolsonaro pode até ser próximo da bancada evangélica, mas não é um de seus membros —seus filhos são evangélicos, e sua esposa idem, mas ele se diz católico.

A autora conta, na introdução, que escreveu o livro em 2017. “Alguns diriam que ainda não há o distanciamento necessário para falar a respeito de tudo o que estamos vivendo. Como repórter, entendo que este é o momento perfeito para o relato fresco.”

O problema do produto fresco é que, às vezes, ele vem com um prazo de validade.

 “Em Nome de  Quem? A Bancada Evangélica e seu Projeto de Poder” 

“Em Nome de Quem? A Bancada Evangélica e seu Projeto de Poder”

  • Classificação regular

Andrea Dip. Civilização Brasileira, R$ 34,90 (144 págs.)

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