Plano de Ciro para tirar eleitor de lista de devedores é vago, dizem especialistas

Candidato afirma que bancos vão refinanciar dívidas de 63 milhões de brasileiros, mas deixa lacunas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Isabel Fleck
São Paulo

A profusão de memes sobre a promessa feita pelo candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, no primeiro debate na TV, de tirar o nome dos brasileiros do SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) mostra que sua estratégia de fazer barulho em torno da proposta funcionou.

Para especialistas, no entanto, a falta de detalhamento intencional acende um sinal de alerta não só sobre a viabilidade da proposta, mas também sobre seu possível impacto no comportamento do consumidor. 

No dia seguinte ao debate, Ciro avançou um pouco no tema, dizendo que pretende, primeiro, descontar da dívida dos 63,4 milhões de inadimplentes —42% da população adulta do país— tudo o que ele chama de desaforo: juros sobre juros, correção monetária, multas.

Depois, afirmou que poderá afrouxar os compulsórios —depósitos obrigatórios dos bancos ao Banco Central— para que os bancos refinanciem o restante da dívida para os brasileiros. Ele disse que pretende trabalhar mais com os bancos públicos —Banco do Brasil, Caixa—, mas não descarta a rede privada.

Nesta segunda (13), o candidato publicou um trecho de um vídeo gravado no último sábado (11) em que afirma que os bancos deverão se interessar pela proposta, porque vão ganhar também com os juros, em torno de 12%, segundo o seu cálculo.

“Tirar as pessoas do SPC é recriar consumidores, o que faz sentido, mas eu tenho muita preocupação sobre como ele vai comunicar e fazer isso”, afirma André Perfeito, economista-chefe da corretora Spinelli. 

Para o especialista, o primeiro problema é Ciro dizer que vai tirar os juros sobre juros para todos os casos de inadimplência, sem um programa que diferencie tipos de devedores —como os de menor renda ou que devam valores menores. 

“Ele falar desse jeito traz um certo desconforto, porque tem que ser muito bem desenhado e para um segmento muito específico: até uma certa faixa de renda, e de forma muito clara para todo mundo”, diz.

“Negociar desse jeito talvez seja muito agressivo sobre o sistema financeiro.”

Perfeito diz temer que, ao não detalhar a proposta e deixá-la aberta demais, Ciro “sinalize errado” para a sociedade durante a campanha “de que é só sair gastando que vai ser perdoado depois”. 

Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper, também considera importante estabelecer uma diferenciação entre os inadimplentes. “Tem muita gente endividada aí sabendo muito bem o que fez”, diz.

“Teria que ter uma preocupação maior de fazer uma estatística no SPC para saber quantos milhões devem abaixo de determinada quantia, por exemplo.”

Segundo o SPC, o brasileiro deve, em média, R$ 1.512,48. Ciro diz que, cortados os juros sobre juros, multas e correção, essa média pode chegar a R$ 1.400.

Para Rocha, não dá para considerar que os bancos vão aceitar o refinanciamento sem mostrar um detalhamento sobre sua compensação. 

Na sua opinião, é preciso, por exemplo, saber de quanto seria a redução dos compulsórios para avaliar se seria viável aos bancos o refinanciamento das dívidas. “A ideia é boa, mas tem que detalhar mais. Ou então não fala”, diz.

A assessoria de Ciro Gomes disse que a proposta será detalhada “no momento oportuno”. Segundo o próprio Ciro, há um risco de que seus oponentes copiem a sua proposta e, portanto, ele não a revelará completamente agora.

A assessoria do candidato afirmou, no entanto, que o princípio da proposta de refinanciamento para a pessoa física é “rigorosamente o mesmo” do seguido pelo Refis, programa de regularização de dívidas tributárias.

Para Roberto Luis Troster, que foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e professor da USP, a boa prática bancária diz que não é viável que se ataque dessa forma os juros sobre juros.

“Tirar os brasileiros do SPC deveria ser objeto de política de todos os candidatos, mas do jeito que ele está fazendo é totalmente inviável”, diz. “Para emprestar, o banco paga juros, então mais da metade da receita que entra nos bancos é para pagar os juros de depositante. Quem vai pagar a conta: o banco ou o depositante?”  

A economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, não quis comentar a proposta de Ciro, mas disse que a melhor política pública que pode acontecer é “aquela que incentiva a boa tomada de crédito e a educação financeira”.

“Do ponto de vista de informação de crédito, a melhor coisa seria saber que o consumidor que sai da base de negativados é um consumidor com bom histórico de crédito.”

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.