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Eleições depois de uma punhalada

Com Bolsonaro ausente, e novos rostos, menos belicosos, em cena, a intenção parece ser a de injetar novo brio na campanha

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Carlos A. Gadea
Latino América 21

Pensar com base em paradoxos pode nos ajudar a interpretar o presente. E o episódio da punhalada contra o candidato à presidência do Brasil, o capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL), pode ser um bom exemplo.

Bolsonaro não estava se saindo bem nas entrevistas e debates; ainda assim, nas redes sociais, onde ele tem mais de cinco milhões de seguidores, sua presença era inegável. Sua internação no hospital por praticamente um mês o manterá afastado de novos debates e entrevistas, enquanto a campanha continua a se desenvolver nas redes sociais.

Os filhos dele já parecem o estar substituindo diante das câmeras, ainda que seja de esperar (com alguma avidez) que o economista oculto que acompanha o candidato (Paulo Guedes, um neoliberal sem concessões, pró-privatização) comece a aparecer, em doses homeopáticas, na medida em que "o mercado" parece disposto a apoiar a candidatura de Bolsonaro.

Com o candidato ausente, e novos rostos, menos belicosos, em cena, a intenção parece ser a de injetar novo brio na campanha e ultrapassar o teto de 22% das intenções de voto no primeiro turno atribuído ao candidato na pesquisa do Ibope da semana passada. E em poucos dias, já é possível perceber algum efeito da punhalada. Na pesquisa divulgada em 10 de setembro pelo FSB/BTG Pactual, Jair Bolsonaro registrou um salto considerável, de 26% para 30%, isolando-se dos demais candidatos.

Bolsonaro, que não só representa políticas de direita e de extrema-direita como também se apresenta como "antissistema", se beneficiou de um efeito de marketing que lhe permitiu sensibilizar aqueles que o viam como a única figura "contra tudo que está aí", em referência ao sistema político do país. Não obstante, e para além do crescimento, algo fica claro: para os atores sociais que querem ouvir falar mais que de armas, "kit gay" e penalização do aborto, a imagem do candidato se esgotou. Será que o economista Paulo Guedes enfim sairá de seu esconderijo?

Mas, paradoxalmente, Bolsonaro não foi o único a despontar nos últimos dias. A punhalada conseguiu alterar o cenário político de diversas maneiras. Na pesquisa do Ibope na semana passada, anterior ao episódio, a candidata Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) estavam em segundo lugar com 12%. Mas enquanto Marina mantinha sua posição, Ciro Gomes avançou quatro pontos, em um salto muito importante no contexto eleitoral atual, especialmente se considerarmos que ele é o candidato com menor rejeição entre os eleitores.

Mais atrás, Geraldo Alckmin (PSDB) tinha 9%, e o petista Fernando Haddad tinha 6%. Na pesquisa mais recente do FSB/BTG Pactual, Gomes subiu de 4% para 7%, e Marina manteve sua posição, o que acentua a tendência de crescimento de Gomes para a disputa contra Bolsonaro no segundo turno. Esse avanço de Gomes não pode ser atribuído diretamente ao "efeito punhalada", ao contrário do que acontece com o crescimento de Bolsonaro, porque Gomes já vinha registrando progresso desde a semana anterior.

Não é possível prever o que acontecerá com a campanha de Bolsonaro e com o apoio a ele. É provável que ele tenha atingido o teto, com seus 30% de adesões. Mas pode-se prever que duas coisas acontecerão: primeiro, Lula, ainda preso, pode se ver convertido em vítima secundária, porque a atenção que era dedicada ao caso dele se desviou. De fato, na tarde desta terça (11) a Executiva do PT, no limite do prazo dado pelo Tribunal Superior Eleitoral, nomeou Fernando Haddad, então candidato a vice, a encabeçar a chapa, em um contexto de grande dificuldade na transferência de votos de Lula para o que havia sido, até o momento, o seu candidato suplente.

Em segundo lugar, Bolsonaro ganha certa blindagem por sua condição de saúde. Quem sairia perdendo quanto a isso seria Geraldo Alckmin, o candidato que está se esforçando mais para desconstruir Bolsonaro junto aos eleitores de direita e às mulheres.

Mesmo assim, a mais de três semanas das eleições, o percentual de indecisos ainda é alto. Consideradas as últimas pesquisas, porém, parece claro que haverá segundo turno e que Marina Silva e Ciro Gomes são os candidatos com mais chance de disputar a presidência contra Bolsonaro. Mas a diferença em favor de Gomes pode se ampliar, paradoxalmente, pelo "efeito punhalada", que inicialmente era visto como benéfico apenas para Bolsonaro.

Há indícios de que a campanha tenderá a se polarizar uma vez mais, e no caso os personagens centrais não parecem ser os clássicos PT e PSDB. À recente estagnação de Marina Silva, que continua a evitar a polarização, se contrapõe o crescimento de Ciro Gomes, que está em campanha no nordeste do país, onde se presume que ele seja capaz de disputar o eleitorado tradicional do PT. Ainda assim, Gomes, que também vinha evitando a polarização, foi apanhado de surpresa por uma situação alheia, que se encarregou de arremessá-lo à polarização.

De acordo com a pesquisa do Ibope, Bolsonaro só venceria no segundo turno contra o candidato do PT, Fernando Haddad. Ciro Gomes, por outro lado, teria a maior margem de vitória contra ele, ainda que Marina Silva também seja capaz de derrotá-lo em um segundo turno. Por isso, Gomes se transformou na maior preocupação para dois setores políticos: o PT, pelo risco de perda da hegemonia sobre a esquerda; e o setor de Bolsonaro, que sonhava disputar o segundo turno contra o PT para explorar a polarização e a narrativa antilulista e que agora, diante de Gomes, se vê diante de uma polarização política real.

Se no tempo que resta para a eleição as coisas não mudaram muito e as tendências eleitorais seguirem seu curso, Ciro Gomes --herdeiro de um desenvolvimentismo truncado à brasileira, um social-democrata pós-moderno, eclético em suas preocupações sociais e culturais, e uma espécie de mistura entre Lionel Brizola e Emmanuel Macron-- pode se tornar o novo presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2019. Mas com certeza ainda resta muito a acontecer.


Carlos A. Gadea é uruguaio, vive no Brasil e é doutor em sociologia política, com pós-doutorado no Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Miami. Recentemente foi professor visitante na Universidade de Leipzig, Alemanha, e atualmente é professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos

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Tradução de PAULO MIGLIACCI

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