Há 21 anos em fazenda, sem-terra podem ter de deixar área em SP por decisão judicial

Resultado de uma ação iniciada em 2005, o pedido de imissão de posse foi acatado em fevereiro

Marcelo Toledo
Ribeirão Preto (SP)

Última quarta-feira (12). Acampada numa área em que desde 1997 produz milho, verduras e frutas, a agricultora Ivone Falcão Barbosa, 60, se disse surpreendida com uma decisão judicial que quase levou ao chão a casa que construiu no local.

Um vizinho perdeu o imóvel e parte dos sem-terra que vivem há 21 anos na fazenda Cachoeirinha, em Boa Esperança do Sul (a 303 km de São Paulo), podem ter de deixar a propriedade após uma decisão judicial desfavorável ao movimento.

Resultado de uma ação iniciada em 2005 e que desde 2009 está na Justiça Federal, o pedido de imissão de posse foi acatado em fevereiro, mas cumprido na última semana por um oficial de Justiça e policiais federais.

Oficial de Justiça e policiais acompanham retirada de móveis de casa no acampamento em Boa Esperança do Sul (SP) - Divulgação

A saída deveria ser imediata, mas uma negociação deu ao grupo quatro dias de prazo. No período, o advogado dos acampados, Waldemir Soares Junior, obteve mais dez dias, cuja contagem foi iniciada na segunda-feira (17).

“Ganhamos prazo, mas de qualquer jeito é duro demais. Produzo de tudo um pouco, milho, mandioca, abacaxi, banana, abacate, frango e ovos. Fiz a vida aqui, sem banho quente ou ventilador. É a vontade de conseguir algo que nos move”, disse Ivone.

Ela foi a primeira a chegar ao local da reintegração e viu a casa ser derrubada. De outras duas, móveis foram carregados, mas elas se mantiveram de pé devido ao prazo obtido.

As famílias vivem no local sem energia elétrica e, com o que produzem, têm renda mensal de R$ 600 a R$ 1.200, segundo Claudio Roberto Negri, um dos coordenadores do acampamento, que recebe visitas de estudantes inclusive da capital para conhecerem o funcionamento da agricultura familiar.

Ele, que também está no local desde 1997, disse que desde então o grupo tenta que a área entre num programa de reforma agrária, sem sucesso. “Ela estava improdutiva havia vários anos, até medição de área foi feita, mas sem avançar. Ano passado o Incra disse que não poderia desapropriar, mas que poderíamos comprar a área por meio de financiamento que envolvia o Banco do Brasil”.

De acordo com Negri, desde fevereiro o grupo tentava negociar com o proprietário, sem sucesso até aqui.

A antiga fazenda tem 187 alqueires, equivalente a 634 campos de futebol, e foi dividida em quatro propriedades, segundo os acampados.

A ação de imissão de posse é referente a apenas uma dessas áreas, onde moram oito famílias. Há outras cerca de 40 famílias nas três áreas restantes. “Ninguém sabia que aconteceria dessa forma. Se soubéssemos, teríamos tentado providências”, afirmou Negri.

Não é o que o prefeito de Boa Esperança, Fabio Luis de Souza (MDB), afirma. “Receberam a decisão em fevereiro e a guardaram, não acreditaram que isso poderia ocorrer. Fui com eles ao Incra tentar uma alternativa, mas não conseguimos nada”.

Três das famílias ligadas à área a ser reintegrada têm imóveis em outras localidades, mas duas outras não têm para onde ir, conforme o prefeito. “Vamos ver se conseguimos distribui-las nas outras áreas”.

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informou, via assessoria, que a área já foi objeto de processo administrativo há mais de duas décadas, mas que não foi concluído por “diversas dificuldades”.

“Havia por exemplo o fator de ancianidade a ser considerado, o que diminuiria o valor a ser pago e não foi aceito pelos proprietários da época.” Conforme o Incra, atualmente ainda há restrições para a eventual destinação da área para assentamento, como a documentação do imóvel, arrematado pelo atual dono em leilão e que ainda apresenta pendências.

“O Incra reconhece e respeita a autonomia dos movimentos sociais de luta pela terra e mantém diálogo constante para debater suas reivindicações. No entanto não compete à autarquia interferir nas decisões das famílias acampadas em relação à ocupações e permanências, mas sim buscar alternativas de obtenção de áreas passíveis de compra ou desapropriação para fins da reforma agrária”, diz trecho do texto.

Soares Junior disse que, após conseguir o prazo de dez dias, vai recorrer ao Tribunal Regional Federal para tentar evitar a saída das famílias do local. “Os dez dias de dilatação do prazo não são suficientes para discutir com o pessoal, cumprir a imissão e buscar alternativas com o Incra. Vejo possibilidade de desapropriação do imóvel por interesse social”.

Já Adriano Silvestrin, advogado do dono da área, disse que os acampados tinham ciência do processo judicial. “Não estão ali sem nenhum tipo de manifestação contrária. É um processo de 12 anos. Tramita na Justiça Federal há nove anos”.

De acordo com Silvestrin, se os sem-terra estiveram esses anos todos no local foi devido à morosidade da Justiça, não por falta de iniciativas do proprietário para a saída do grupo. “Parece que entramos com pedido e conseguimos liminar, mas não é isso, é processo que já tem sentença, transitou em julgado. As pessoas foram intimadas, não foi nada à revelia”.

Silvestrin disse ainda que foram anexados ao processo documentação referente a imóveis que ao menos três acampados possuem na área urbana.

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