Descrição de chapéu Eleições 2018

PT usou sistema de WhatsApp; campanha de Bolsonaro apagou registro de envio

Dados indicam relação entre campanhas de Bolsonaro e Haddad com agência sob investigação

Aiuri Rebello Flávio Costa Leandro Prazeres
São Paulo e Brasília | UOL

Dados de um serviço de disparo de mensagens em massa via WhatsApp a que a reportagem do UOL teve acesso trazem novos indícios sobre o esquema revelado na semana passada pela Folha

Os dados revelam que o sistema deixou rastros que mostram que, na tarde de 18 de outubro, foram apagados os registros de envio de mensagens disparadas pela campanha de Bolsonaro —horas depois da publicação da reportagem da Folha.

A reportagem do UOL apurou que as campanhas dos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) fizeram uso da mesma plataforma digital. As duas campanhas negam ter cometido irregularidades. 

As campanhas dos dois candidatos que disputam neste domingo o segundo turno da eleição presidencial trabalharam com a agência de publicidade digital Yacows, que oferece um serviço de disparos de mensagens em massa pelo WhatsApp.

A Yacows é uma das agências apontadas por uma reportagem da Folha como participante de um esquema financiado por empresários que apoiam Bolsonaro para divulgar conteúdo anti-PT.

A prática revelada na reportagem viola a lei por configurar doação não declarada à campanha. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) abriram investigação sobre o caso.

Tanto a AM4 Brasil Inteligência Digital, empresa contratada pela campanha presidencial do PSL, quanto Bolsonaro haviam negado, após a reportagem da Folha, que a campanha do capitão reformado tivesse alguma ligação com agências que fazem disparos de mensagens. A AM4 negou que usasse a ferramenta. Bolsonaro também negou a utilização e disse na ocasião que não controla o que fazem "seus apoiadores".

Nesta sexta (26), ao UOL, a AM4 admitiu pela primeira vez que usou um serviço desse tipo. A empresa alega que fez um único envio de mensagem por meio do serviço da Bulk Services, sistema criado pela Yacows, diz que a mensagem foi enviada "para 8.000 doadores cadastrados na base própria da empresa" e versava "sobre mudanças de seu número de contato e suporte".

Uma das agências que presta serviços à campanha de Fernando Haddad também confirma que usou o sistema da Yacows de disparos de mensagens pelo WhatsApp, mas afirma que usou somente "contatos do próprio PT".

Disparos apagados

A reportagem do UOL teve acesso a registros da AM4 no serviço de mensagens chamado Bulk Services. Os dados mostram que, no dia 18 de outubro, horas depois de a reportagem da Folha ter sido publicada, informações referentes às campanhas da AM4 foram apagadas no sistema da Yacows.

A AM4 nega que tenha apagado qualquer registro no sistema da Yacows ou que tenha cometido qualquer ato ilegal.

Procurado pela reportagem, que fez um relato a ele sobre os dados dos sistema que mostram que foram apagados os registros das campanhas de disparos de mensagens direcionadas a uma base de receptores administrada pela campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, presidente interino do PSL, descartou que a campanha de seu partido tenha usado a ferramenta durante as eleições e negou qualquer vínculo com a Yacows.

A fonte

Um especialista em segurança virtual forneceu ao UOL, sob a condição de sigilo, dados do sistema de mensagens em massa pelo WhatsApp chamado Bulk Services, de propriedade da agência Yacows.

AM4 tem cadastro pelo menos desde setembro

Com sede na cidade de Barra Mansa (RJ), a AM4 aparece na prestação de contas da campanha de Bolsonaro como responsável pela criação do site da candidatura e outras ações em mídia digital, pelas quais recebeu R$ 115 mil declarados ao TSE, até o presente momento.

A empresa tem cadastro como cliente do sistema com ações registradas desde pelo menos o dia 25 de setembro deste ano, de acordo com os dados obtidos pelo UOL.

O login de usuário no sistema está em nome de uma funcionária da AM4, cujo nome foi confirmado à reportagem pela empresa. Em uma das listas de contatos apagadas estavam registrados pouco mais de 8.000 números de telefone.

Uma das mensagens apagadas, de acordo com a fonte do UOL, dizia respeito a pedidos de doação para a campanha do candidato do PSL.

Campanha de Haddad

Pessoas ligadas à campanha petista confirmam que a agência de marketing contratada por eles usou serviços da Yacows, mas negam que tenham usado qualquer lista de contatos que não fosse do próprio PT.

"Temos milhões de contatos no cadastro ativo do PT em todo Brasil, nunca iríamos correr o risco de fazer uma besteira dessa por causa de uma lista com 100 mil números. Não faz sentido", disse um contratado pela campanha petista, que pediu sigilo.

Procurada pela reportagem, a agência de comunicação digital Um Por Todos encaminhou nota onde afirma que foi contratada pela agência M Romano, relacionada na prestação de contas oficial da campanha petista no TSE como tendo recebido ao todo R$ 4,814 milhões (para fazer a campanha na TV, rádio e internet), para envio de mensagens com informações para os filiados do PT.

Uma das bases utilizadas para o disparo de campanhas do PT tinha o nome: "PT (11.09) Base-Richard". De acordo com a fonte ouvida pelo UOL, "Richard" é uma referência a Richard Papadimitriou, que segundo um dos sócios da Yacows, Lindolfo Alves, trabalhou na empresa.

"É uma prática comum nesse tipo de serviço as empresas disparadoras oferecerem listas próprias com contatos, às vezes segmentados por idades, aos seus clientes. Neste caso, a negociação da lista é feita de forma separada", diz o especialista em segurança virtual que forneceu os dados ao UOL. 

Por meio de nota, a campanha do PT negou irregularidades: "A M.Romano contratou a empresa Um Por Todos Digital para efetivar disparos de WhatsApp na base de dados cedida pelo PT, formada apenas por filiados da sigla, conforme a lei eleitoral. Os relatórios referentes a estes serviços foram apresentados pela Um Por Todos Digital sem qualquer indício de irregularidade".

Campanha de Bolsonaro

Além dos dados do sistema utilizado pela Yacows, a reportagem do UOL conversou com duas fontes que trabalharam na empresa Quick Mobile, com sede em Minas Gerais. Assim como a Yacows, a atuação da Quick Mobile também passou a ser investigada pela Polícia Federal após a publicação da reportagem da Folha.

Uma das pessoas ouvidas pela reportagem afirma que cadastrou a campanha de Bolsonaro no sistema da empresa. A outra disse que a companhia usava bases de dados compradas ou "hackeadas".

"Eu fiz o cadastro para ele (Bolsonaro). Peguei email, senha e acrescentei créditos. Eu colocava créditos de 1 milhão de disparos", disse a fonte que pediu sigilo por temer represálias.

A fonte afirma que, apesar de ser encarregada de comandar o envio de diversas campanhas de políticos durante as eleições, não disparou nenhuma campanha de Bolsonaro.

Pela importância do cliente, quem ficava encarregado disso era um dos sócios da empresa, Leandro Nunes. "Eu nunca subi campanha do Bolsonaro. Quem subia, sempre no sábado ou no domingo, era o Leandro Nunes", disse.

A outra fonte que trabalhou na Quick Mobile é Jussara Pereira. Ela aceitou ser identificada na reportagem. Jussara atuava como executiva de contas da empresa até abril deste ano. Ela diz que foi orientada por um dos sócios da empresa a procurar a equipe de comunicação de Bolsonaro.

"Na semana em que eu estava saindo, eles estavam começando a prospectar a área de comunicação e marketing do Bolsonaro. Pediram para eu entrar em contato com eles, mas eu não queria. Eu seria a primeira pessoa a dar o start na campanha dele em Belo Horizonte", diz Jussara.

A ex-funcionária da Quick Mobile disse que, ao longo dos mais de quatro anos atuando na companhia, ela teve informações sobre a origem ilegal das bases de dados utilizadas pela empresa.

"Eles não eram transparentes em relação a isso. A informação que eu tinha é que eles compravam essas bases de terceiros. Sem nenhuma transparência", disse Jussara.

Ela diz ainda que a Quick Mobile também utilizava um programa para "garimpar" números de telefones que estivessem disponíveis em redes sociais. Com isso, era possível, posteriormente, segmentar os disparos por região geográfica e até por hábito de consumo.

Bancos de dados de terceiros

Bárbara Simão, especialista em direito digital do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), diz que, de acordo com a legislação eleitoral e com a nova lei de proteção de dados, candidatos e partidos políticos não podem utilizar bases de dados de terceiros para fazer campanha.

"Os candidatos não podem usar bancos de dados de terceiros. Eles só podem usar bases de dados que tenham sido coletadas por eles. Além disso, todos os usuários precisam ter dado os seus consentimentos para receber mensagens com esse tipo de conteúdo e precisam estar informados e cientes de qual é a finalidade da coleta desses dados", explica.

O que diz o PSL

O coordenador da campanha de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, negou que a candidatura presidencial do PSL tenha usado disparos de mensagens em massa pelo WhatsApp. "Nunca. Na nossa campanha, não", declarou.

Ao ser questionado sobre os sistemas de disparos da Yacows e da Quick Mobile, Bebiano afirmou desconhecer a existência das agências. "Não sei nem o que é isso. Yakissoba? Nunca ouvi falar. Não gastamos nenhum centavo com isso [compra de banco de dados]."

Sobre os registros apagados da AM4 no sistema da Yacows, Bebianno também alegou desconhecer o assunto. "Não sou dono da AM4. Na nossa campanha, o que a AM4 fez foi absolutamente correto."

O presidente nacional do PSL afirmou ainda que quem utiliza essa ferramenta é o PT.

O que dizem as agências

O UOL ligou para os telefones da Quick Mobile. Uma funcionária atendeu, pegou o número de telefone do repórter e disse que o passaria aos diretores da empresa. Um email foi enviado e ainda não houve resposta.

A reportagem ligou para o comando da Yacows, ao longo de toda a manhã desta sexta-feira. A diretora Flávia Alves atendeu a reportagem, mas disse que não poderia responder às perguntas por orientação jurídica.

Também procurada, a AM4 afirmou que fez um único envio de por meio do serviço da BulkServices. Esta é a primeira vez depois da reportagem da Folha que a agência confirma que usou um serviço desse tipo. Segundo a agência, a mensagem foi enviada para 8.000 doadores cadastrados na base própria da empresa e versava sobre mudanças do número de contato e suporte da agência.

A assessoria de imprensa da AM4 enviou também uma nota fiscal no valor de R$ 1.680,00 e um print da mensagem que versa sobre um aviso "aos doadores cadastrados que o número de contato e suporte havia mudado".

Leia a nota completa abaixo:

"A AM4 fez um único envio de mensagem durante as eleições, no dia 13/09. Foi um comunicado (em anexo) para 8 mil doadores cadastrados.

Para isso, foi usado um serviço terceirizado chamada BullkServices, que é contratado remotamente (https://bulkservices.com.br).

A mensagem (em anexo) era para avisar aos doadores cadastrados que o numero de contato e suporte havia mudado.

A nota fiscal do serviço também está em anexo e o disparo (para base própria) está dentro do que prevê a legislação.

Reiteramos que a AM4 não faz, não utiliza nem contrata disparos em massa por considerar a estratégia cara e ineficaz – pelo fato de partir de um numero desconhecido e de pessoas não necessariamente engajadas.

A funcionária (o nome foi mantido em sigilo pela reportagem) foi quem contratou o serviço remotamente e cadastrou uma senha, mas ela afirma que não deletou nada do sistema. Se alguém fez isso, não foi a AM4 até porque não haveria nenhuma ilegalidade nesta ação.

É preciso perguntar aos administradores da plataforma, cuja relação com a Yacows desconhecemos, para saber quem deletou a mensagem, que, repetimos, não tinha nada de irregular."

Colaborou Gustavo Maia

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