Descrição de chapéu Eleições 2018 Rio de Janeiro

Eleição vira 'baile' no Complexo da Maré, favela de origem de Marielle no Rio

Não houve manifestações relacionadas a ela na favela, mas apoiadores lembraram a amiga

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Rio de Janeiro

O churrasquinho, a cerveja e a música alta na rua Principal do Complexo da Maré, na zona norte do Rio, tiveram ainda mais público neste domingo (7) por causa das eleições.

O clima na via —que corta diversas favelas do complexo, concentra o comércio na região e dá acesso a pelo menos três locais de votação— era de festa enquanto eleitores entravam e saíam das escolas e bandeiras e santinhos cobriam a paisagem.

"Não vota nele, não, ele não presta", sussurrava um homem enquanto entregava o papel de um candidato a deputado estadual. Segundo moradores, partidos pagam cerca de R$ 50 a R$ 70 por dia para quem ficar distribuindo a propaganda no entorno das seções, o que é proibido mas ocorre livremente nas comunidades. 

Com aproximadamente 140 mil habitantes, a Maré é onde nasceu e cresceu Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada a tiros junto com o motorista Anderson Gomes em março deste ano. Não houve manifestações relacionadas a ela na favela neste domingo, mas apoiadores lembraram a amiga.

 

"É muito difícil fazer campanha sem ela, foram mais de dez anos nas ruas juntas, desde as eleições de 2006", diz segurando as lágrimas Renata Souza, 36, ex-assessora e amiga pessoal de "Mari", como a política era chamada pelos mais próximos. Renata está, pelo PSOL, entre os ao menos sete candidatos aos Legislativos estadual e federal com origem na Maré.

"Se for falar da Marielle você vai me fazer chorar", se emociona Carlos Viana, 36, que é professor de redação no cursinho pré-vestibular comunitário onde a vereadora estudou ao conseguir uma bolsa para estudar ciências sociais na PUC-Rio.

"É preciso entender o contexto da favela, por muito tempo fomos calados. Imagina ter alguém que fala a mesma linguagem que você e de repente não ter mais", disse ele após votar. "Quantas vezes aqui nessa escola não teve aula esse ano por causa de tiroteio?".

Ele se refere ao Ciep Samora Machel, que tinha fila de mais de duas horas neste domingo para votar. “Mais cedo teve confusão porque tinha muita gente, pessoal tentando furar fila”, conta a recepcionista Rayanne Soares, 21.

Controladas por ao menos três facções, as favelas da Maré são alvo constante de operações das forças de segurança. Foi na região desse colégio que o estudante Marcus Vinicius da Silva, 14, foi baleado com o uniforme escolar em junho, durante uma ação da Polícia Civil e do Exército.

Segundo moradores, a rua Principal estava tão cheia como neste domingo quando, há 12 anos, no dia do primeiro turno das eleições de 2006, o menino Renan Ribeiro, de três anos de idade, foi morto com um tiro de fuzil na barriga durante uma incursão policial.

Desde fevereiro deste ano, o Rio está sob intervenção federal na segurança pública por decreto do presidente Michel Temer (MDB), o que na prática significa que as polícias, os bombeiros e o sistema penitenciário estão sob o comando da União e do interventor Walter Souza Braga Netto, general do Exército.

Apesar da lembrança dos amigos, a figura de Marielle não era conhecida por parte dos eleitores da Maré antes de sua morte. É o caso da berçarista Mariete Pereira de Lima, 53, que morou no complexo por 28 anos. "Só soube quem ela era quando aconteceu essa tragédia", diz. "Não me envolvo. Só voto porque precisa, porque não acredito na política."

Para votar, ela pegou a "colinha" de sua filha, Raquel Corrêa, 21, estudante letras da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "As pessoas são muito distantes da política aqui. Tinha uma mulher na fila que não sabia em quem votar e disse 'vou votar nesses daqui do papelzinho que peguei na porta'", conta a jovem.

Aos 50 anos, o encarregado de obra Joseildo Barbosa votava pela segunda vez na vida. "Eu sou de Pernambuco, mas vim morar aqui no Rio e nunca mudei o título. Esse ano tive que transferir porque cancelaram", disse enquanto esperava na fila.

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