PF indicia Temer no inquérito dos portos e pede prisão de amigo do presidente

Segundo investigação, Temer e outros dez praticaram crimes de corrupção passiva, ativa, lavagem e organização criminosa

Camila Mattoso Letícia Casado
Brasília

A Polícia Federal concluiu inquérito sobre propina no setor portuário e afirmou que o presidente Michel Temer e outras dez pessoas praticaram os crimes de corrupção passiva, ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

O delegado Cleyber Malta Lopes pediu a prisão de quatro investigados, entre eles o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente. A polícia ainda solicitou o bloqueio de bens dos indiciados, inclusive do presidente.

Michel Temer durante solenidade de posse do novo presidente da Embrapa, no Palácio do Planalto, em 10.out
Michel Temer durante solenidade de posse do novo presidente da Embrapa, no Palácio do Planalto, em 10.out - Pedro Ladeira/Folhapress

O relatório foi entregue ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal). O Ministério Público Federal é quem tem competência para denunciar.

Os indiciados pela PF são: Michel Temer, sua filha, Maristela Temer, Rodrigo Rocha Loures, seu ex-assessor, Antonio Greco, ex-diretor da Rodrimar, Ricardo Mesquista, também da Rodrimar, Gonçalo Torrealba, diretor do grupo Libra, o coronel João Baptista Lima Filho e sua mulher, Maria Rita Fratezi, amigos de Temer, Carlos Alberto Costa e seu filho, diretor da Argeplan, e Almir Ferreira, contador da Argeplan.

Em um despacho do ministro do Supremo, ele fala que o relatório da polícia diz que foram apurados fatos envolvendo “propinas em espécie, propinas dissimuladas em doações eleitorais, pagamentos de despesas pessoais por interpostas pessoas —físicas e jurídicas—, atuação de empresas de fachada e contratos fictícios de prestação de serviços.”

Aberto em 2017, o inquérito buscava esclarecer se Temer recebeu, por meio do militar aposentado, propina em troca da edição de um decreto que teria beneficiado companhias que atuam no porto de Santos.

A medida assinada por Temer permitiu ampliar de 25 para 35 anos os prazos dos contratos de concessões e arrendamentos no porto firmados após 1993.

Um dos pontos do relatório da PF é uma reforma realizada na casa da filha do emedebista, entre 2013 e 2015. Como a Folha revelou em abril, a mulher do coronel, Maria Rita Fratezi, pagou em dinheiro vivo despesas da obra do imóvel de Maristela Temer. 

Além do coronel Lima, a polícia pediu prisão da mulher dele e de duas pessoas ligadas à Argeplan —empresa do coronel—, Carlos Alberto Costa e Almir Martins Ferreira.

Eles estão proibidos de deixar o país por decisão do Supremo. O Ministério Público Federal ainda vai se manifestar sobre as solicitações da PF. 

Barroso fala ainda, em seu despacho, que o relatório da PF diz que foram produzidas provas diversas, “que incluíram colaborações premiadas, depoimentos, informações bancárias, fiscais, telemáticas e extratos de telefone, laudos periciais, informações e pronunciamentos do Tribunal de Contas da União.

De acordo com a polícia, a organização criminosa era dividida em quatro núcleos: político, administrativo, empresarial (ou econômico) e operacional (ou financeiro). 

No meio do ano, a PF encontrou planilhas e extratos bancários que apontam cerca de R$ 20,6 milhões em contas de empresas do coronel Lima. 

O dinheiro está, de acordo com os documentos, em contas correntes e investimentos em nome do coronel (pessoa física), da PDA Projeto e Direção Arquitetônica LTDA e da PDA Administração e Participação LTDA.

Não há nenhuma menção nos papéis sobre a Argeplan, empresa mais conhecida de Lima, dona de diversos contratos milionários com o setor público ao longo dos últimos anos.

Os advogados de Temer, Rocha Loures, Grecco, Mesquita e Torrealba disseram que ainda não tiveram acesso ao relatório da PF e, portanto, não vão se manifestar sobre o assunto.

"Certamente não há elementos para a PGR oferecer denúncia contra Rocha Loures", disse o advogado Cezar Bitencourt. 

A defesa de Lima afirmou que recebeu com "perplexidade a notícia do pedido de prisão formulado em seu desfavor". 

"O sr. Lima há um ano e meio encontra-se permanentemente em sua residência, afastado de suas atividades profissionais, dedicando-se exclusivamente aos cuidados de sua saúde", disse Cristiano Benzota.

O advogado acrescentou também que está em contato frequente com as autoridades, prestando informações, e que "não se verifica, portanto, qualquer razão a justificar o pedido de prisão preventiva apresentado nesta data pela Polícia Federal."

Sobre o coronel não ter prestado depoimento até hoje, Benzota disse que ele "reservou-se a não prestar esclarecimentos, exclusivamente por sua condição comprovada e inquestionável de saúde, o que é direito seu."

A defesa de Carlos Alberto Costa e Maria Rita Fratezi afirmou que seus clientes "nunca deram causa a qualquer pedido de prisão, sempre se colocando à disposição das autoridades".

O advogado Alexandre Sinegalia escreveu que eles "esperam serenidade tanto da PGR quanto do STF na apreciação de medida tão grave e desproporcional, aguardando que eventual exercício de suas garantias fundamentais não sejam considerados em seu desfavor".

O advogado de Maristela Temer não respondeu. As defesas de Carlos Alberto Costa Filho e Almir Ferreira não foram localizadas. 

PRESIDENTE

Em 2007, o STF proibiu a PF de fazer, por conta própria, o indiciamento de autoridades com foro privilegiado, como presidente da República, ministros de Estado, senadores e deputados. O indiciamento é um ato formal em que a autoridade declara que existem indícios suficientes de ocorrência de crime.

Em 2016, o ministro Teori Zavascki, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que os pedidos de indiciamento de autoridades com foro privilegiado pela Polícia Federal ferem entendimento do tribunal.

A PF entendeu, no entanto, que poderia fazer o pedido de indiciamento de Temer.

POLÊMICA

O inquérito dos portos gerou polêmica especialmente desde o início deste ano, quando Fernando Segovia, então diretor da PF, afirmou que a tendência era que a corporação recomendasse o arquivamento da investigação.

À época, ele disse que não havia indícios contra o presidente. 

O diretor da polícia teve de se explicar ao ministro Barroso, relator do caso, que entendeu que a fala era "manifestamente imprópria" e poderia se "caracterizar infração administrativa e até mesmo penal".

Segovia, virou chefe da polícia no governo Temer, foi tirado do cargo pouco mais de três meses depois de ter assumido e menos de 20 dias após essas declarações.

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