Descrição de chapéu Eleições 2018

Vitrine de Haddad, Fies gerou inadimplência e verba para empresários

Facilidade de financiamento estudantil levou à explosão no número de contratos e despesas

Fábio Fabrini Mariana Carneiro
Brasília

Uma das principais vitrines de Fernando Haddad (PT) em sua campanha eleitoral à Presidência, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) deixou como herança um contingente elevado de estudantes endividados e turbinou os grupos privados de educação.
 
A inadimplência no programa, que atingia 31,4% dos contratos em 2013 (ano seguinte ao término da gestão Haddad como ministro da Educação no governo do PT), aumentou após a recessão e atualmente supera 50%, segundo dados do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento à Educação).
 
O pagamento do financiamento se inicia um ano e meio após a conclusão do curso pelo estudante. Dessa forma, um aluno que começou os estudos de administração (de quatro anos) em 2012, em teoria, começou neste ano a pagar sua dívida e terá 12 anos para quitá-la. Se falhar com os compromissos assumidos, entra em calote. 

Para técnicos da equipe econômica e do TCU (Tribunal de Contas da União), medidas implementadas na gestão Haddad contribuíram para acelerar a adesão ao programa e para o descontrole em suas contas.
 
Cálculos atuais do Tesouro Nacional, elaborados a pedido da Folha, mostram que, de 2019 até 2030, o programa vai consumir R$ 46,5 bilhões em recursos dos cofres públicos —até agora, já custou R$ 80,8 bilhões. O cenário leva em consideração um quadro em que 50% dos alunos não pagarão pelo financiamento público. 
 
As projeções de despesas são crescentes porque levam em conta o aumento expressivo do número de bolsistas após as mudanças no programa feitas na gestão do petista.
 
O boom do Fies se deu a partir de 2010, depois que o governo criou o Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (Fgeduc). Ele tornou dispensável a apresentação de fiadores para alunos com renda familiar mensal bruta per capita de até 1,5 salário mínimo, não raro sem controle adequado desse pré-requisito. 
 
A medida impulsionou as matrículas, ao passo em que ampliou as despesas governamentais. Praticamente todo o custo da inadimplência passou a recair sobre esse fundo. Sem riscos no negócio, as universidades privadas passaram a estimular a adesão indiscriminada de estudantes.
 
Os juros do Fies, criado no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), caíram em novembro de 2006 de 9% ao ano para entre 3,5% e 6,5% ao ano, conforme o perfil do beneficiário. Na prática, as taxas passaram as ser negativas em alguns casos (quando descontada a inflação, inferiores à remuneração dos títulos do governo). A alteração incentivou adesões como oportunidade de negócio.
 
Grandes conglomerados educacionais fizeram propaganda encorajando alunos que, até então, pagavam mensalidades com recursos próprios a migrar para o Fies.
 
Segundo o TCU, a Anhanguera —atualmente pertencente ao grupo Kroton, o maior de ensino superior privado do mundo— chegou a publicar em seu site que, se o estudante deixasse seu dinheiro na poupança e aderisse ao Fies, teria lucro.
 
As estatísticas oficiais do ensino superior privado expressam o fenômeno da migração. De 2010 a 2015, o número de matriculados que bancavam os próprios estudos caiu de 3,8 milhões para 2,9 milhões. Enquanto isso, os alunos do Fies passaram de 200 mil para 1,9 milhão.

Os ganhos dos maiores grupos de educação dispararam na vigência do programa. Entre 2009 e 2012, apenas durante a administração de Haddad no MEC, a Kroton saiu de um prejuízo de R$ 8,1 milhões para um lucro de R$ 268 milhões (+3.407%). O resultado da Ser Educacional cresceu 116%, o da Anima, 248%, e o da Estácio de Sá, 42%. Os resultados continuaram crescentes nos anos seguintes.
 
Segundo o TCU, o número de matrículas continuou crescendo em 2013 e 2014, após a saída de Haddad do cargo, e só refluiu a partir de 2015, quando as regras de acesso tornaram-se mais restritivas.
 
Novo endurecimento ocorreu em 2017, após a ascensão de Michel Temer, quando as empresas passaram a arcar com parte do prejuízo em caso de inadimplência.
 
Em 2016, em julgamento que apontou falhas na gestão do Fies, o TCU determinou audiências de Haddad e outros ex-ministros da Educação para explicá-las. Em julho deste ano, ao analisar as alegações, a corte absolveu todos os ex-ministros. Entendeu que, apesar dos problemas na execução do programa, não caberia a aplicação de multas.

 Outro Lado

Procurada pela Folha, a campanha de Haddad afirmou que o Fies, até meados dos anos 2000, “havia se transformado em um grande elefante branco, com centenas de estudantes totalmente inadimplentes face ao gigantismo que a dívida contraída adquirira”.
 
Justificou que foi preciso um grande investimento de comunicação para retomar o programa, “desta vez em bases mais realistas de financiamento, que permitissem a um estudante pobre financiar uma universidade privada de ponta”.
 
“Criou-se então um fundo garantidor, formado com os próprios recursos do financiamento, para enfrentar o crônico problema do fiador. Foram aplicados juros privilegiados e um prazo de financiamento equivalente ao dobro do tempo que o estudante despendeu para se formar”, explicou.
 
A campanha informou que no último ano da gestão Haddad no Ministério da Educação foi atingida a meta de 154 mil contratos, “número considerado pequeno pelas necessidades do país”.
 
“O TCU aprovou todas as iniciativas do então ministro Haddad, sem nenhuma ressalva, inclusive com o apoio de parte da párea técnica”, alegou. 
 
“O ex-ministro avalia, porém, que há aperfeiçoamentos possíveis, como por exemplo, os estudantes serem selecionados pela nota obtida no Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]; e as entidades de ensino privado, por sua vez, pré-avaliadas de acordo com o Sinaes [Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior]”.
 
O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), gestor do Fies, não se pronunciou.
 
A Estácio informou que sempre cumpriu as regras do Fies, “pautando-se pelos mais altos níveis de integridade e governança”. “O lucro da Estácio vem crescendo consistentemente, mesmo com o encolhimento do Fies, em função de uma série de medidas que melhoraram sua eficiência operacional”.
 
A Ser Educacional alegou que a política da Bolsa de Valores não lhe permite “informar dados isolados de alunos do Fies”.

A Kroton não se manifestou.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.