Luta contra corrupção terá ganho com Moro em Brasília, diz Deltan Dallagnol

Procurador participou de debate em São Paulo sobre os desafios do Brasil nos próximos anos

São Paulo

A luta contra a corrupção nunca teve um cenário tão propício no Brasil quanto agora, disse o procurador da República Deltan Dallagnol em debate em São Paulo nesta quinta-feira (22).

Coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná, Dallagnol avalia que sobretudo a nomeação de Sergio Moro como ministro da Justiça garante esse momento positivo. 

“Moro vai fazer extrema falta na Lava Jato, mas temos uma equipe grande, o trabalho vai seguir. E, com Moro como ministro, o ganho para a causa anticorrupção será maior. Ele terá grandes chances de brecar as engrenagens da corrupção sistêmica no ambiente macro.”

O procurador da República Deltan Dallagnol em seminário promovido pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), em São Paulo
O procurador da República Deltan Dallagnol em seminário promovido pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), em São Paulo - Keiny Andrade/Folhapress

Deltan citou que também são sinais de esperança para o país a renovação recorde no Congresso e o apoio que o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), manifestou em relação ao projeto de lei popularmente conhecido como 10 Medidas contra a Corrupção.

O procurador foi um dos convidados do seminário “Brasil, um passo à frente”, organizado pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi).

Em sua apresentação, Deltan destacou que cabe a cada cidadão lutar por transparência e honestidade —na política, no trabalho e na vida pessoal. 

“Estudos indicam que a maior parte das coisas erradas são feitas por pessoas boas, de bons valores. Isso ocorre por conta das pressões que sofrem e dos enquadramentos da realidade em que vivem”, comentou.
Segundo esses estudos, completou, nós tendemos a abandonar nossos princípios e valores para seguir nossos lideres. Por isso, conclui Dallagnol, as lideranças precisam ter consciência do papel que exercem. “Como bem disse o tio de Homem-Aranha, grandes poderes trazem grandes responsabilidades”, comparou.

Durante sua fala Dallagnol apresentou alguns vídeos de pesquisas nos EUA acerca de comportamento social. Foi muito aplaudido pela plateia ao relembrar, em tom irônico, a entrevista coletiva em que usou um power point com diversas setas apontadas para o nome de Lula para explicar denúncias contra o petista.

“Vocês viram que estou usando poucos slides. Não estou usando gráficos, bolinhas e tal. E ainda tem gente que odeia meus power points, não sei por que”.


Antes de Dallagnol, três colunistas da Folha falaram no seminário: Marcos Troyjo (diplomata, economista e cientista social), Marcos Lisboa (presidente do Insper, doutor em economia) e Demétrio Magnoli (sociólogo, doutor em geografia humana).

Troyjo comentou os motivos que levam os países a darem passos para frente ou para trás na trilha do desenvolvimento. Alemanha, Japão, Espanha, China e Chile são alguns dos exemplos de nações que, partindo de condições adversas, conquistaram grandes avanços a partir da segunda metade do século 20.
“A conclusão que podemos extrair: os países dão passos à frente quando conseguem desenhar e implementar estratégias competitivas de globalização”, definiu.


Ressaltou, entretanto, que essas estratégias mudam com o tempo. A etapa da globalização iniciada em 1989, pós queda do Muro de Berlim, teve fim com a crise econômica de 2008. Esse período teria sido marcado pela crença de que valores prezados no Ocidente (Estado de Direito, democracia representativa, liberdade de mercado) garantiriam evolução contínua nos países em que fossem adotados. 


Hoje, avalia Troyjo, passamos por um choque de globalização, quando já não há mais certeza de que esses “valores são trunfos do Ocidente e diversos países flertam com modelos de menor oxigenação democrática”.


Troyjo usa o termo “reglobalização” para se referir ao estágio atual, com o predomínio de EUA e China e o papel central assumido pela tecnologia em todos os setores de atividades.


“No limite, o Brasil não precisa ser de esquerda ou de direita. Precisa ser leve, menos estatista, com mais iniciativa privada”, ponderou. “O maior erro que o Brasil pode fazer nesta momento é guiar suas escolhas econômicas por vieses ideológicos.”


Troyjo tem auxiliado Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, na elaboração do programa da gestão Bolsonaro, mas nega as especulações de que também assumiria um cargo no ministério.
“Não falamos a respeito disso. A esquipe ainda está sendo montada. Se houver o convite, pensarei sobre isso depois”, afirmou.


Em sua apresentação, Marcos Lisboa destacou os desafios econômicos que o novo governo terá pela frente. Um dos primeiros será o ajuste das contas públicas, o que passa pela aprovação da reforma da Previdência. 


O Brasil é um país pobre, disse o economista. Nossa renda é 1/4 ou 1/5 da renda dos países ricos. A razão disso, explica, está na baixa produtividade do país, o que não se deve apenas ao desempenho das indústrias.


“Países em que o Judiciário funcionam melhor, em que a legislação trabalhista é menos complexa, ficam mais ricos. As regras do jogo afetam o desenvolvimento.”


“Somos o país da meia-entrada, em que multiplicam-se as exceções tributárias”, criticou, o que acaba por afastar investimentos no país. Outro problema é que gastamos mal as verbas públicas, como na educação.


“Ajuste fiscal com gestão é a favor da política pública, não o contrário.”


Demétrio Magnoli também destacou que o país passa por momento de transição. Segundo ele, na eleição de outubro não apenas elegemos um presidente como também enterramos a Nova República.
Esse período pós-ditadura era assentado em dois pilares: um pacto social e um pacto político. Ambos ruíram, diz Magnoli.


O pacto social defendia que os gastos públicos aumentariam todos os anos acima do crescimento do PIB, assentados primeiro no aumento da carga tributária, depois no aumento da dívida pública. Com a recessão, esse arranho mostrou-se “obviamente insustentável”. 


O pacto político era baseado no que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão: o governante é obrigado a aceitar a colonização dos cargos técnicos pelos partidos políticos para poder governar. 


Nos governos Lula e Dilma, segundo ele, a aliança de governo deixou de se basear num pacote programático, pois PT e PMDB, principais siglas da base, não tinham um mínimo de consenso. 
Radicalizou-se, então, um sistema de distribuição de cargos que degenerou-se na compra de apoio e nos esquemas de propina revelados pela Lava Jato.


“Então o desafio do governo Bolsonaro é bastante simples: recompor o pacto social e o político”, ironizou.
Para Magnoli, no governo Bolsonaro de desenham por ora dois núcleos bem distintos: um econômico, liberal, capitaneado pro Paulo Guedes, “uma equipe impecável em termos biográficos”; e um núcleo da ordem, representado por representantes das Forças Armadas, de extração histórica “giseliana”, numa referência a Ernesto Geisel, presidente durante a ditadura militar brasileira. 


“Bolsonaro surgiu como uma parlamentar nacionalista e estatizante. Agora virou um liberal. Creio que existem dois Bolsonaros, o antigo e o atual, e que eles convivem, conversam a sós”, comentou, provocando risos na plateia.

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