Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Folha é criticada por presidentes desde Getúlio Vargas

Generais da ditadura militar, além de líderes eleitos como FHC, Lula e Bolsonaro, também tiveram jornal como alvo

Nelson de Sá
São Paulo

Em 1930, a Folha questionava Getúlio Vargas insistentemente e se tornou alvo de seus apoiadores. Quando ele chegou ao poder, os getulistas de São Paulo festejaram empastelando o jornal, pondo fogo no mobiliário, nas máquinas de escrever.

Em 1977, a ditadura militar não gostou da publicação de uma coluna em branco, para marcar repetidamente a prisão do colunista Lourenço Diáferia, e o general Hugo Abreu ligou do Palácio do Planalto para o publisher Octavio Frias de Oliveira: “Vamos fechar o seu jornal”, declarou.

Primeiro presidente eleito após a redemocratização, Fernando Collor foi além e em 1990, com menos de três meses no cargo, mandou a Polícia Federal invadir a Folha.

Ex-presidentes Sarney, Lula, Dilma, Fernando Henrique e Collor reunidos em 2013
Ex-presidentes Sarney, Lula, Dilma, Fernando Henrique e Collor reunidos em 2013 - Roberto Stuckert Filho/Presidência

Os agentes foram diretamente ao nono andar do jornal e questionaram: “Onde está o Frias?”. Sem encontrá-lo, conduziram coercitivamente a secretária Vera Lia Roberto e  os diretores Renato Castanhari e Pedro Pinciroli Jr.

Collor processou quatro jornalistas da Folha, inclusive o diretor de Redação, Otavio Frias Filho. Otavio respondeu em carta aberta: “Seu governo será tragado pelo turbilhão do tempo até que dele só reste uma pálida reminiscência, mas este jornal continuará de pé”.

Collor caiu e, a partir daí, os governantes eleitos falaram mais do que agiram, contra a Folha e a imprensa em geral.  Itamar Franco, à sua maneira, disse em 1993 pedir a Deus para ajudar a preparar o terreno para o próximo presidente, para “que ele encontre uma imprensa mais compreensiva”.

Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que o seguiu, não achou a cobertura compreensiva. “Nenhum presidente, talvez só Getúlio, foi alvo de tanta agressividade de certos setores da mídia. Não esqueça que a Folha fez uma edição de várias páginas com argumentos para o impeachment”, afirmou em 2002.

Em seus “Diários da Presidência” (Companhia das Letras), escreveu que o jornal publica “uma sacanagem atrás da outra”, questionou o “niilismo arrogante” de Otavio e não escondeu a mágoa pessoal: “É uma coisa doída de dizer, um jornal no qual trabalhei por dez anos ou mais, escrevi tanto tempo lá, e hoje é um jornal mesquinho, negativo”.

Direta e publicamente, Lula questionou menos a Folha, mas também ele, ao final do segundo mandato, em 2010, recordou magoado um almoço de oito anos antes, no jornal.

“O diretor da Folha perguntou para mim: ‘Escuta aqui, candidato, o senhor fala inglês?’”, afirmou, referindo-se a Otavio. “Eles achavam que o [Bill] Clinton não tinha obrigação de falar português. Era eu, o subalterno, o país colonizado, que tinha que falar inglês. Peguei o elevador e fui embora.”

O diretor de Redação replicou então, 2010, que Lula “não foi interpelado sobre falar ou não inglês, mas sobre o fato de ostentar desprezo pelo estudo”. Em entrevista em agosto, dias antes de morrer, Otavio lembrou o episódio, mantendo a discordância, e contou ter visitado o ex-presidente no ano passado após a morte de sua mulher, Marisa.

Em outubro de 2017, ainda em liberdade, o já ex-presidente reclamou de pesquisa do Datafolha que questionou eleitores sobre sua prisão.

Dilma Rousseff, que sucedeu Lula, era mais formal nos questionamentos, por exemplo, divulgando nota para “repudiar fatos inverídicos”.

Em discurso após ser destituída, afirmou que seu “projeto nacional progressista” havia sido interrompido “com o apoio de uma imprensa facciosa e venal”.

Neste ano, Jair Bolsonaro nem esperou ser eleito para iniciar questionamentos e ameaças, que tentam reproduzir os de Donald Trump nos Estados Unidos.

Falando ao vivo num telão na avenida Paulista, em outubro, o então candidato discursou: “Sem mentiras, sem ‘fake news’, sem Folha de S.Paulo. Nós ganharemos esta guerra. Queremos a imprensa livre, mas com responsabilidade. A Folha de S.Paulo é o maior [sic] ‘fake news’ do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo”. 

No dia seguinte à sua vitória, voltou à carga. Numa entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, disse que “esse jornal se acabou”. O apresentador William Bonner reagiu: “A Folha é um jornal sério, um jornal que cumpre um papel importantíssimo na democracia brasileira”.

Na última sexta (14), o presidente eleito prosseguiu com as ameaças de estrangulamento publicitário, prometendo cortar os gastos da Caixa Econômica Federal com propaganda.

Como os antecessores, Bolsonaro tende a ver a cobertura crítica como pessoal. Reproduz o último dos generais-presidentes, João Figueiredo, que deixou o poder em 1985 sem fazer sucessor militar e, questionado, respondeu: “O trabalho da imprensa foi trabalhar contra mim”.

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