Descrição de chapéu Lava Jato

Justiça Eleitoral, cobiçada por advogados, deixa em 2º plano casos da Lava Jato

STF deve decidir se casos relacionados a corrupção também irão para tribunais eleitorais

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São Paulo e Brasília

Sem estrutura para julgar casos de maior complexidade, tribunais eleitorais têm deixado em segundo plano ações relativas a caixa dois delatadas na Lava Jato.

Apurações enviadas a São Paulo, como as do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e do presidente da Fiesp, Paulo Skaf (MDB), que chegaram ao longo de 2018 ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral), não saíram nem sequer do Ministério Público Eleitoral até agora. 

O pedido para que as apurações fossem enviadas ao órgão partiu das defesas dos próprios políticos —assim como no inquérito relativo ao senador José Serra (PSDB-SP), que só chegou ao tribunal eleitoral paulista neste ano.

Prédio do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília - Lalo de Almeida/ Folhapress

Além de ser sobrecarregada com prazos e demandas relativos às eleições, esse ramo do Judiciário é visto por advogados de réus como atrativo para punições mais brandas.

O envio de processos para o âmbito eleitoral tem sido uma demanda de políticos, em uma série de casos ligados à operação, e une rivais de diferentes correntes partidárias, como os ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Alvo na delação da Odebrecht por suposto recebimento de R$ 10,3 milhões para suas campanhas de 2010 e 2014 por meio de seu cunhado, Alckmin chegou a defender publicamente a tramitação no âmbito do TRE.

“A delação é de natureza eleitoral e sem nenhuma procedência”, disse, em 2018.

Nesta quarta-feira (13), o Supremo Tribunal Federal deve iniciar um julgamento que pode decidir se casos relacionados à corrupção também devem ser enviados à Justiça Eleitoral —o resultado é considerado definidor para investigadores da Lava Jato.

O pedido foi feito pela defesa do ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM) e, se aceito, deve criar um precedente para levar uma enxurrada de casos da Lava Jato da Justiça comum para a eleitoral.

O procurador regional eleitoral Pedro Barbosa, que atua junto ao TRE-SP, diz que esse braço do Judiciário prioriza situações que envolvem cassação de mandatos, que exigem uma resolução mais célere. “Elas tratam de um mandato de um candidato, que precisa ser resolvido rapidamente. [Senão], acaba o mandato. Cuidar de casos de lavagem de dinheiro vai atravancar demais a Justiça Eleitoral.”

Ele também cita outro entrave para punições: diferentemente do que ocorre, por exemplo, na Lava Jato em Curitiba, promotores e procuradores eleitorais trabalham por períodos definidos, e há rotatividade entre investigadores.

Nos últimos dias, o Ministério Público Federal tem feito uma ofensiva contra essa possibilidade. Em São Paulo, a coordenadora da Lava Jato, procuradora Anamara Osório, lembra que a composição de tribunais eleitorais tem advogados, “o que jamais ocorre e é impensável no julgamento de crimes comuns”.

No próprio processo, a procuradora-geral da República Raquel Dodge diz que o envio às cortes eleitorais se mostra não razoável “quando se constata a extrema complexidade de que se reveste boa parte do universo de crimes federais —como é o caso daqueles ligados à Operação Lava Jato— a exigir, para o seu bom enfrentamento, não apenas estrutura adequada, mas, também, profissionais especializados”.

Quem é favorável à medida aponta que a Polícia Federal e o Ministério Público é que devem se reestruturar para investigar os casos sob a premissa de que eles serão julgados no âmbito eleitoral.

“É uma questão da Polícia Federal e do Ministério Público Federal se organizarem para deslocarem o que está em disposição em um local para o outro”, afirma o advogado Henrique Neves da Silva, ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). “A Justiça Eleitoral é a Justiça mais célere que existe no país.”

Na Justiça Eleitoral de São Paulo, o único político de expressão que já é réu em desdobramentos da Lava Jato é o ex-prefeito e ex-presidenciável petista Fernando Haddad, que responde à acusação de recebimento de caixa dois da empreiteira UTC, descrito em delação na Lava Jato —ele nega.

Acusações em delações contra os deputados federais Celso Russomanno (PRB) e Vicentinho (PT) também foram para a Justiça Eleitoral paulista em 2018 e até aqui não viraram processos formais.

Em contraponto, na Lava Jato no Paraná, ações penais que tinham relação com financiamento de campanha já tiveram julgamento célere.

A primeira condenação do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, por exemplo, tratava de pagamento de propina disfarçada de doação eleitoral ao partido e foi expedida após seis meses de tramitação na Vara Federal, especializada em crimes financeiros. 

No caso do ex-marqueteiro de campanha petista João Santana, condenado por lavagem após receber pagamento no exterior, a condenação saiu em apenas dez meses.

Especialistas que acompanham as discussões do Supremo apontam que a leitura ao pé da letra da legislação sinaliza que os processos devem ser enviados para a Justiça Eleitoral, mas que os ministros podem decidir pela chamada “mutação constitucional”: modificar a interpretação da Constituição sem precisar mudar o seu texto.

“Em uma análise bem fria e neutra, quem tem know-how para processar e julgar esse tipo de crime não é a Justiça Eleitoral. Essas infrações são  complexas, se transformaram numa verdadeira teia de aranha cuja moldura remete às organizações criminosas”, diz a mestra em direito público pela FGV Vera Chemim. 

No Supremo, a maioria dos ministros já deu indícios de como pretendem votar.

Na Segunda Turma, o relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, vinha sendo voto vencido. Fachin, em geral, concordava com a tese do Ministério Público.

Porém a maioria do colegiado —Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e, até setembro, Dias Toffoli— vinha votando por remeter tanto os crimes comuns como os eleitorais para a Justiça Eleitoral.

Na Primeira Turma ainda não houve votações que envolvessem essa controvérsia. Em novembro, quando o primeiro caso chegou lá, os ministros resolveram enviar a discussão ao plenário —formado por todos os 11 magistrados.

Naquela ocasião, o ministro Marco Aurélio Mello adiantou seu posicionamento e disse que o Código Eleitoral é claro ao estabelecer que compete a juízes eleitorais “processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns” conexos.

Ainda naquela sessão, Luís Roberto Barroso sinalizou ser favorável à cisão dos processos, enviando os crimes comuns à Justiça comum —e Rosa Weber disse ter simpatia por essa saída.

A dúvida é como votarão no plenário os três ministros que ainda não se manifestaram sobre o tema: Cármen Lúcia, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Há uma expectativa de que prevaleça a interpretação do Ministério Público.

Nesta terça (12), Marco Aurélio disse a jornalistas que o envio à Justiça Eleitoral não esvazia “em nada a Lava Jato” . “Isso é argumento extremado.” Procurado, o TSE não se manifestou.

Entenda a questão

O que será discutido no STF?
O tribunal deve começar, nesta quarta (13), um julgamento que pode decidir se processos envolvendo caixa dois (crime eleitoral) associado a delitos como corrupção e lavagem de dinheiro (crimes comuns) devem ser enviados por completo à Justiça Eleitoral ou se devem ser separados e enviados à Justiça comum e à Eleitoral. O caso em questão é o do inquérito que apura suspeitas de caixa dois, corrupção e evasão de divisas envolvendo o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) e o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM)

O que diz a PGR?
Pede que os casos sejam separados. Para a PGR, a Justiça Eleitoral não está equipada para lidar com crimes complexos como o de corrupção e não tem profissionais especializados nisso. Favoráveis à medida defendem que Ministério Público e Polícia Federal se reestruturem para que os casos sejam investigados no âmbito da Justiça Eleitoral

O que dizem os procuradores da Lava Jato?
Afirmam que a decisão pelo envio dos casos à Justiça Eleitoral pode esvaziar a Lava Jato e abrir precedente para que processos que já foram julgados pela Justiça comum sejam questionados juridicamente. Isso não é consenso entre especialistas

O que o STF tem decidido até agora?
O entendimento dos ministros da Segunda Turma é que a Justiça Eleitoral, por ser especializada, tem preferência para julgar os crimes eleitorais e aqueles a eles relacionados. Na Primeira Turma ainda não houve votações envolvendo essa questão 

O que aconteceu com os casos enviados à Justiça Eleitoral?
Em São Paulo, casos da Lava Jato remetidos à Justiça Eleitoral em 2018 pouco andaram no Ministério Público Eleitoral. No âmbito da Lava Jato do Paraná, há condenações em até 6 meses na Justiça comum

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