Procedimento de Toffoli para abrir inquérito sobre fake news divide Supremo

Parte dos ministros contesta falta de sorteio e de pedido à Procuradoria; Alexandre de Moraes diz que Ministério Público pode espernear à vontade

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Brasília

Os ministros do Supremo Tribunal Federal estão divididos sobre o inquérito aberto na semana passada pelo presidente, Dias Toffoli, para investigar fake news, ameaças e ofensas à honra de membros da corte e de seus familiares.

A discordância é sobretudo quanto ao procedimento: Toffoli instaurou o inquérito de ofício (sem provocação de outro órgão), sem pedir providências ao Ministério Público, e designou o ministro Alexandre de Moraes para presidi-lo sem fazer sorteio e sem ouvir os colegas em plenário.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, durante visita ao TRE-MG
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, durante visita ao TRE-MG - Divulgação - 19.mar.2019/TRE-MG

Existe uma percepção, no entanto, de que algo precisava ser feito para conter supostos ataques em série à instituição.

Há ministros que declararam apoio à investigação, outros que a criticaram por ter excluído a Procuradoria e, ainda, os que não querem sequer opinar, porque esperam se descolar do caso.

Questionado por jornalistas sobre as críticas que o Ministério Público tem feito ao inquérito, Moraes respondeu com uma expressão jocosa usada no meio jurídico.

“No direito, a gente fala que é o ‘jus sperniandi’, o direito de espernear. Podem espernear à vontade, podem criticar à vontade. Quem interpreta o regimento do Supremo é o Supremo. O regimento autoriza, o regimento foi recepcionado com força de lei e nós vamos prosseguir a investigação”, afirmou.

O ministro Marco Aurélio declarou a jornalistas nesta terça (19) que o presidente do Supremo deveria ter pedido ao Ministério Público que abrisse a investigação. Em sua opinião, mesmo agora, já instaurado, o inquérito deveria ser encaminhado à Procuradoria.

Segundo Marco Aurélio, havia uma expectativa de que Toffoli levasse o caso ao plenário, o que não aconteceu. “[No plenário] eu me posicionaria contra, porque, sempre quando me defronto com quadro que sinaliza prática delituosa, o que eu faço? Eu aciono o Estado acusador. E o Supremo não é o Estado acusador, é o Estado julgador”, disse.

Toffoli anunciou a apuração na última quinta (14). No dia seguinte, a procuradora-geral, Raquel Dodge, pediu a Moraes informações sobre o objeto do inquérito e sugeriu que a corte extrapolou suas atribuições, porque o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.

Moraes se reuniu com Dodge na manhã desta terça por cerca de uma hora e meia —segundo a agenda oficial, para tratar de uma ação ajuizada por ela contra a fundação que a Lava Jato em Curitiba pretendia criar com dinheiro de multas da Petrobras. O ministro é o relator dessa ação e já congelou o fundo bilionário.

O ministro informou que solicitou à Polícia Federal e à Polícia Civil de São Paulo um delegado de cada corporação para auxiliá-lo nas diligências que irá determinar, “principalmente [sobre] a questão dessa rede de robôs, de WhatsApp, Twitter, essa rede que alguém paga, alguém financia por algum motivo”. “O que vem se pretendendo é desestabilizar o STF”, afirmou. Antes de ingressar no Supremo, Moraes foi secretário de Segurança Pública de São Paulo.

Segundo ele, se forem localizados suspeitos, os casos serão remetidos às instâncias responsáveis por julgá-los —o STF só julga pessoas com prerrogativa de foro especial, como deputados e senadores.

Em viagem a Belo Horizonte, Toffoli foi questionado sobre a apuração e evitou comentar sua repercussão. "A questão desse inquérito está agora com o ministro Alexandre de Moraes. A outra questão é que temos recebido na central do cidadão do Supremo inúmeras mensagens indicando e denunciando fake news contra toda a sociedade brasileira. Toda a sociedade é vítima", declarou.

Vice-presidente da corte, o ministro Luiz Fux não criticou a iniciativa, mas disse considerar que, em algum momento, o inquérito terá de ser remetido ao Ministério Público.

“O artigo 40 do Código de Processo Penal diz que, se o juiz verificar ocorrência de crimes, ele manda para o Ministério Público. Eu acho que o ministro Toffoli vai mandar para o Ministério Público. Não tem como o juiz ser acusador e julgador”, afirmou.

Já o decano do Supremo, ministro Celso de Mello, demonstrou apoio à investigação ainda durante a sessão de quinta-feira. Mello afirmou que a corte não pode se expor a pressões externas resultantes do clamor popular nem à panfletagem.

“Cabe insistir na observação —que certamente motivou a decisão de Vossa Excelência [Toffoli] de ordenar a apuração de eventuais delitos que hajam sido cometidos contra os membros do Judiciário— de que o abuso da liberdade de expressão não se mostra prática legítima do Estado democrático de direito, especialmente quando transgride o patrimônio moral daqueles que sustentam posições antagônicas”, disse.

Entre possíveis alvos do inquérito estão membros do Ministério Público que teriam incentivado a população a se voltar contra decisões do STF —entre eles, dois membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol e Diogo Castor.

A abertura de investigação de ofício é incomum, mas, segundo o STF, há um precedente: um inquérito aberto no ano passado pela Segunda Turma para apurar o uso de algemas na transferência do ex-governador Sergio Cabral (MDB-RJ) do Rio para o Paraná. À época, Dodge também contestou o procedimento.

Conforme a portaria que abriu a atual investigação, assinada por Toffoli, a iniciativa se baseou no artigo 43 do regimento interno do STF, que diz que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.

Foi dada uma interpretação ao texto de que os ministros representam o próprio tribunal e, portanto, um ataque a eles é um ataque ao Supremo.

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