Se houvesse uma Lei de Responsabilidade Política nos moldes da bem-sucedida Lei de Responsabilidade Fiscal, com regras rígidas de transparência, o país disporia de um instrumento eficaz para enfrentar a corrupção política.
A hipótese é levantada pelo advogado Igor Sant’Anna Tamasauskas no recém-lançado livro “Corrupção Política" (Thomson Reuters/Revista dos Tribunais).
Baseada em sua dissertação de mestrado em direito, a obra analisa como a ausência de responsabilidade política efetiva impacta negativamente o processo jurídico.
Segundo o autor, o Legislativo é o local mais adequado para que se exercite o controle preventivo de responsabilidade dos agentes do Estado (e da corrupção). O controle judicial-sancionatório remanesceria para os casos mais graves.
Diante do recuo do Parlamento em exercer essa função estratégica, o espaço foi conquistado pelo Judiciário.
Tamasauskas cita exemplos, ora de equilíbrio, ora de tensões, entre o juízo político e o processo jurídico.
Henrique Hargreaves, ministro da Casa Civil no governo Itamar Franco (1992-1994), se afastou voluntariamente durante investigações sobre corrupção. Saiu ileso e voltou ao cargo.
Já Eliseu Padilha, que ocupou a mesma função no governo Michel Temer (2016-2018) e foi ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil (2015) no governo Dilma Rousseff (2011-2016), se recusou a prestar esclarecimentos, “confrontado com denúncias nos planos político e jurídico”.
Na investigação policial sobre as relações entre Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (então no DEM-GO, hoje filiado ao PTB), houve violação do foro por prerrogativa de função e uso de prova ilícita. Mas o senador teve seu mandato cassado por patente violação ética.
“Resolvida a responsabilidade política, houve regular tramitação do expediente jurídico”, diz Tamasauskas.
O impeachment de Collor foi “instrumento típico da responsabilidade política” utilizado para alcançar corrupção de altos escalões do governo.
Em relação à responsabilidade jurídica, a imputação de crime de corrupção passiva ao ex-presidente foi julgada improcedente.
PC Farias e outros acusados foram condenados somente pela falsidade das contas bancárias. “Infelizmente, essa lógica é reincidente em nossa história”, diz o autor.
“A apresentação de explicações perante o Legislativo não exaure essa tarefa”, afirma, notadamente em tempos de imediata comunicação entre os cidadãos nas redes sociais.
O agente político deve prestar contas permanentemente de seus atos e de seu patrimônio, recomenda.
Criar uma lei de responsabilidade política é remédio dificilmente autoaplicável no atual Congresso. O mensalão e a Lava Jato reforçaram o espírito de corpo do Legislativo, estimulando, inclusive, o enfrentamento com o Judiciário.
“Avança-se no front legislativo em momentos de comoção e escândalos de larga escala”, observa Tamasauskas.
Ele cita a legislação americana contra corrupção, logo depois do caso Watergate (False Claims Act), a Lei de Improbidade Administrativa, após a deflagração do caso Collor, e a Lei Anticorrupção, reação às marchas de 2013.
Resta supor o que será criado depois do terremoto político que abalou as instituições nos três meses do atual governo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.