Proposta no CNJ recomenda a juiz evitar promotores e advogados em redes sociais

Projeto vem em meio a polêmica de mensagens entre Moro e procuradores da Lava Jato

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Brasília e São Paulo

O grupo de trabalho criado pelo ministro Dias Toffoli no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para avaliar a conduta de juízes em redes sociais propôs uma resolução que orienta magistrados a se abster de falar com as partes dos processos e evitar interações tanto com escritórios de advocacia como com o Ministério Público.

A proposta, que precisa ser aprovada pelo CNJ para vigorar, também proíbe magistrados de criticar na internet decisões ou votos de outros membros do Judiciário e veda que juízes opinem sobre processos pendentes de julgamento sob responsabilidade sua ou de colegas.

A recomendação vem em meio à polêmica divulgação de mensagens entre o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e membros da força-tarefa da Lava Jato. Na época das conversas, Moro era juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da operação.

O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli - André Coelho-10.jun.19/Folhapress

Nos diálogos publicados pelo site The Intercept Brasil, Moro sugere ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a realização de novas operações, dá conselhos e pistas, antecipa ao menos uma decisão judicial e propõe aos procuradores uma ação contra o que chamou de "showzinho" da defesa do ex-presidente Lula.

"[Recomenda-se] Evitar interações pessoais que possam suscitar dúvidas em relação a sua integridade, idoneidade ou imparcialidade de julgamento, especialmente com outros profissionais da justiça, tais como escritórios de advocacia, membros do Ministério Público ou partes em processos judiciais", diz o texto da proposta.

 

Segundo o coordenador do grupo de trabalho do CNJ, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, as proibições adaptam para a realidade das redes sociais o conteúdo de leis como a Loman (Lei Orgânica da Magistratura) e o Código de Ética da Magistratura.

Os resultados foram apresentados ao CNJ na terça-feira (25), com o voto de Corrêa da Veiga pela aprovação do ato normativo. O conselheiro Valdetário Monteiro (indicado ao CNJ pela OAB) pediu para adiantar seu voto e acompanhou Corrêa da Veiga.

A discussão sobre a resolução será retomada em agosto. O CNJ tem 15 membros.

Juízes que já possuírem páginas ou perfis em redes sociais terão de adequá-las às exigências da resolução em até seis meses depois da data da publicação da norma, se aprovada.

“Não basta que o juiz seja correto, mas deve também parecer correto, afastando qualquer desconfiança razoável”, disse Corrêa da Veiga na sessão do CNJ.

Ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ele citou o exemplo de outros países que adotam códigos de conduta para magistrados, como a Escócia, que recomenda que juízes não se registrem em redes sociais, e a França, que veda comentários sobre decisões de colegas.

O artigo mais extenso do ato normativo proposto traz recomendações de conduta sobre temas como identificação nas redes, utilização de pseudônimo, utilização de marca ou logomarca da instituição e sobre o teor das declarações.

São proibidas, por exemplo, manifestações políticas —excluindo discussões sobre projetos do governo ou do Legislativo que estejam em debate público— ou que revelem racismo, LGBT-fobia e misoginia.

É vedado, segundo o texto, "emitir opinião que demonstre engajamento em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos". 

Os juízes também devem evitar, conforme a proposta, a autopromoção, a superexposição e debates ou discussões acaloradas.

Em outro trecho, a proposta de resolução diz que juízes devem se abster "de compartilhar conteúdo ou a ele manifestar apoio sem convicção pessoal sobre a veracidade da informação, evitando a propagação de notícias falsas (fake news)" e que deve "avaliar, antes de compartilhar conteúdo ou a ele manifestar apoio, se não há, ainda que de forma subliminar ou implícita, discurso discriminatório, de ódio, ofensivo, difamatório, obsceno, imoral, ilegal ou que viole direitos humanos ou direitos de terceiros". 

Em março de 2018, logo após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), a desembargadora Marilia Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio, publicou em uma rede social comentário seguido de uma notícia falsa dizendo que a parlamentar assassinada estava "engajada com bandidos". Há contra a magistrada no CNJ três reclamações disciplinares e um pedido de providências  por conta de seu comportamento nas redes —ela também publicou crítica a uma professora com síndrome de Down

Em outro artigo, o texto recomenda aos juízes que não exponham informações profissionais e pessoais desnecessariamente, por razões de segurança. Há também um capítulo específico prevendo aulas de capacitação para uso das redes sociais nas escolas de formação de magistrados.

Na sessão de terça (25) no CNJ, Toffoli mencionou o projeto de lei que criminaliza o abuso de autoridade cometido por juízes e membros do Ministério Público, que estava na iminência de ser votado no Senado —o texto foi aprovado na noite de quarta (26) e vai à Câmara. Entre as condutas de juízes sujeitas à punição estão comentários, em qualquer meio de comunicação, sobre processos em andamento (ainda que não sejam eles os responsáveis pela ação).

Para o ministro, era preciso mostrar que os sistemas de controle do próprio Judiciário funcionam, para que outros Poderes não adotem medidas como a do projeto de abuso de autoridade. Parte dos membros da magistratura critica a iniciativa do CNJ de criar normas impositivas para a conduta nas redes sociais.

A proposta de resolução

RECOMENDA-SE AO JUIZ

  • Evitar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar a imagem de independência e imparcialidade do magistrado ou a confiança do público no Judiciário
  • Evitar manifestações que busquem autopromoção ou evidenciem superexposição, populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública
  • Evitar embates, inclusive com a imprensa, e não responder pessoalmente a ataques recebidos, mas por meio da assessoria de comunicação dos tribunais
  • Abster-se de adiantar o teor de decisões ou de atender a pedidos de partes, advogados ou interessados em processos formulados por meio de redes sociais 
  • Evitar interações pessoais que possam suscitar dúvidas em relação a imparcialidade de julgamento, especialmente com outros profissionais da justiça, como escritórios de advocacia, membros do Ministério Público ou partes em processos judiciais
  • Abster-se de compartilhar conteúdo ou apoiá-lo sem convicção sobre sua veracidade, evitando a propagação de notícias fake news 


É VEDADO AO JUIZ

  • Manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou criticar despachos, votos e sentenças de membros do Judiciário
  • Demonstrar engajamento em atividade político-partidária ou se manifestar em relação a candidato ou partidos políticos
  • Emitir opinião que caracterize discurso discriminatório ou de ódio que revele racismo, LGBT-fobia, misoginia, antissemitismo, intolerância religiosa e preconceito com condição física, idade, gênero, origem
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