O então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro do governo Jair Bolsonaro, chamou a atenção de procuradores da Lava Jato para a inclusão de uma prova considerada importante por ele na denúncia contra um réu da operação, segundo mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas nesta sexta-feira (5) pela revista Veja.
Na troca de mensagens pelo Telegram, em 28 de abril de 2016, segundo a revista, os procuradores conversaram sobre um alerta de Moro à força-tarefa.
Deltan então diz à procuradora Laura Tessler que o então juiz o havia chamado a atenção sobre a ausência de uma informação na denúncia contra o lobista Zwi Skornicki, réu da operação e representante da Keppel Fels, estaleiro com contratos suspeitos com a Petrobras.
“Laura no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do [Eduardo] Musa [da Petrobras] e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e da tempo. Só é bom avisar ele”, diz.
“Ih, vou ver”, responde a procuradora, segundo a revista.
No dia seguinte a esse diálogo, de acordo com Veja, a Procuradoria em Curitiba incluiu comprovante de depósito de US$ 80 mil feito por Skornicki a Musa. O então juiz Moro aceitou a denúncia e, na decisão, mencionou o documento que havia pedido.
Segundo a legislação, é papel do juiz se manter imparcial diante da acusação e da defesa. Juízes que estão de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ação. Quando isso acontece, o caso é enviado para outro magistrado.
Segundo o artigo 564 do Código de Processo Penal (CPP), sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.
Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".
Também diz que "ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento".
Conversas publicadas pelo site The Intercept Brasil desde o último dia 9 de junho têm relevado a relação próxima entre o então juiz Moro e os procuradores da Lava Jato, entre eles Deltan.
Segundo os diálogos, Moro sugere ao Ministério Público Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a realização de novas operações, dá conselhos e pistas e antecipa ao menos uma decisão judicial.
Reportagem da Folha, que também analisou parte das mensagens, mostrou ainda que procuradores se articularam para proteger Moro e evitar que tensões entre ele e o STF paralisassem as investigações.
Desde que vieram à tona as mensagens, tanto Deltan como Moro têm repetido que sempre agiram conforme a lei e que não podem garantir a veracidade dos diálogos divulgados.
No último dia 19, questionado no Senado sobre a possibilidade de deixar o Ministério da Justiça para permitir isenção nas investigações, Moro negou conluio com o Ministério Público e afirmou: "Não tenho nenhum apego pelo cargo em si. Se houver alguma irregularidade da minha parte, eu saio".
Nos últimos dias, a PF mudou o delegado que investiga eventual ação de hackers no celular de Moro, mas o nome não é revelado pela instituição.
Relação próxima
A reportagem da revista Veja desta sexta-feira apresenta novas mensagens que apontam a relação próxima entre o então juiz e os procuradores da Lava Jato. Isso, por exemplo, quando Moro e Deltan falam sobre um recurso da Odebrecht em 2016. Informalmente, Deltan antecipa a ele, pelo celular, um documento ainda incompleto do Ministério Público Federal.
“Quando sera a manifestação do mpf?”, pergunta Moro, sobre manifestação dos procuradores à ação da empreiteira. “Estou redigindo, mas quero fazer bem feita, para já subsidiar os HCs que virão. Imagino que amanhã, no fim da tarde”, responde Deltan ao juiz.
No dia seguinte, o procurador-chefe da Lava Jato dá nova satisfação a Moro. “Protocolamos amanha, salvo se for importante que seja hoje. Posso mandar, se preferir, versão atual por aqui, para facilitar preparo de decisão”, afirmou em mensagem. Moro acalma Deltan: “Pode ser amanha”.
No outro dia, à tarde, Deltan manda pelo Telegram ao juiz a peça “quase pronta”.
Supremo Tribunal Federal
As mensagens divulgadas pela revista Veja sugerem também que Moro pode ter escondido informações do Supremo para manter um caso sob investigação em Curitiba.
Em agosto de 2015, a defesa de Flávio David Barra (AG Energia) pede ao ministro Teori Zavascki (STF) a suspensão de um processo sob a responsabilidade de Moro, ao alegar que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar o caso já que havia indício de parlamentares federais envolvidos.
Diante da reclamação, Teori cobra explicações a Moro, que afirma não saber nada sobre o envolvimento de parlamentares no caso. Apesar disso, Teori suspende as investigações, o que força o então juiz a remeter o caso de Curitiba para Brasília.
Três semanas depois, porém, um diálogo entre o procurador Athayde Ribeiro Costa e a delegada Erika Marena, da Polícia Federal, sugerem que Moro pode ter omitido informações ao STF.
Athayde diz precisar com urgência de uma “planilha/agenda” apreendida com David Barra com descrição de pagamentos a diferentes políticos. A delegada da PF responde que, por orientação de “russo” (Moro), não tinha tido pressa em protocolar o documento no sistema eletrônico da Justiça. “Acabei esquecendo”, disse. “Vou fazer isso logo”, completa Erika.
Outro lado
Porém, na época da sentença, um ano após a prisão, o réu já tinha se tornado delator e saído da cadeia devido a acordo de colaboração. A condenação por esse crime naquele momento teria pouco efeito prático na situação do operador.
Sobre a suposta sonegação de informação ao então ministro Teori Zavascki (STF) afirma que, quando prestou esclarecimentos ao Supremo, “não dispunha de qualquer informação sobre o registro de pagamentos a autoridades com foro privilegiado”.
Em nota divulgada na noite desta sexta, a força-tarefa da Lava Jato afirmou que "não reconhece o contexto e a veracidade das supostas mensagens atribuídas a seus integrantes e originadas em crime cibernético".
"Os réus foram absolvidos com relação ao fato citado pela revista, inexistindo favorecimento à acusação", diz ainda a nota.
PARA ENTENDER AS CONVERSAS
O que são Desde 9.jun, o site The Intercept Brasil vem divulgando um pacote de conversas envolvendo procuradores da República em Curitiba e Sergio Moro, na época juiz responsável pelos processos da Lava Jato
Período Os diálogos aconteceram desde 2014 pelo aplicativo Telegram
Fonte O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que procurou a reportagem há cerca de um mês. O vazamento, segundo o Intercept, não está ligado ao ataque ao celular de Moro, em 4.jun
Análise A Folha teve acesso ao material e não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. Os repórteres, por exemplo, encontraram diversas mensagens que eles próprios trocaram com a força-tarefa nos últimos anos
Conteúdo As mensagens indicam troca de colaboração entre Moro e a força-tarefa da Lava Jato. Segundo a lei, o juiz não pode auxiliar ou aconselhar nenhuma das partes do processo
Defesa Moro afirma ser alvo de um ataque hacker que mira as instituições e que tem como objetivo anular condenações por corrupção. O ex-juiz diz ainda não ter como garantir a veracidade das mensagens (mas também não as nega), refuta a possibilidade de ter feito conluio com o Ministério Público e chama a divulgação das mensagens de sensacionalista
Consequências O vazamento pode levar à anulação de condenações proferidas por Moro, caso haja entendimento que ele era suspeito (comprometido com uma das partes). Isso inclui o julgamento do ex-presidente Lula
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