Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Agora é Bolsonaro, de direita, diz presidente após trocas em comissão sobre a ditadura

Comissão de mortos e desaparecidos reconheceu que morte de militante de esquerda foi causada pelo Estado Brasileiro

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Talita Fernandes Stella Borges
Brasília e São Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou nesta quinta-feira (1) que a mudança de quatro dos sete integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos se deu pelo fato de agora o Brasil ter um governo de direita.

“O motivo [é] que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles [governos anteriores] botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente. Igual mudou a questão ambiental também”, afirmou, ao sair do Palácio da Alvorada na manhã desta quinta-feira.

A troca dos membros da comissão do governo federal foi publicada na edição desta quinta do "Diário Oficial" da União. O colegiado é formado por sete conselheiros, incluindo membros do Ministério Público e do Congresso, e foi criado em 1995 no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O presidente Jair Bolsonaro durante evento no Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

A mudança no colegiado foi assinada por Bolsonaro e pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).

A troca ocorre uma semana depois de a comissão ter emitido documento no qual reconhece que a morte de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ocorreu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”.

Na última segunda-feira (29), Bolsonaro disse que poderia explicar a Felipe Santa Cruz como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar. A declaração foi repudiada por entidades, e a comissão alvo das mudanças desta quinta-feira pediu explicações ao presidente.

Indagado se a mudança no colegiado está relacionada a suas declarações sobre Fernando Santa Cruz, Bolsonaro disse que “não tem nada a ver uma coisa com a outra”. Questionado se seria uma coincidência, disse que sim. “Pode ser [coincidência]. As coisas são tratadas desta maneira.”

Agora ex-presidente da comissão, a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga criticou no início da semana a fala de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB. “É muito grave essa declaração. Ele [Bolsonaro] está transformando um dever oficial, que é dar informações aos familiares, que ele já deveria ter cumprido, em uso político contra um crítico do seu governo”, disse Eugênia Gonzaga nesta semana.

Nesta quinta-feira, após a mudança, ela afirmou em nota que a "substituição foi uma represália pela minha postura diante dos últimos acontecimentos".

De acordo com o decreto publicado nesta quinta-feira, as mudanças na comissão são as seguintes:

  • Marco Vinicius Pereira de Carvalho assume a presidência no lugar de Eugênia Augusta Gonzaga Fávero
  • Weslei Antônio Maretti substitui Rosa Maria Cardoso da Cunha
  • Vital Lima Santos substitui João Batista da Silva Fagundes
  • Filipe Barros de Toledo Ribeiro substitui Paulo Roberto Severo Pimenta

Nesta semana, tanto o colegiado do governo como a Comissão Nacional da Verdade foram alvos do presidente, em uma sequência de agressões durante entrevistas e declarações em sua rede social.

Criada em 2011 e instalada em 2012, durante o governo Dilma, a Comissão Nacional da Verdade teve por finalidade apurar graves violações contra os direitos humanos de setembro de 1946 a outubro de 1988. Ela foi concluída em dezembro de 2014.

Seus integrantes foram advogados, especialistas em direitos humanos, um ex-procurador geral da República e um ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Foram ouvidos vários militares que atuaram na repressão às organizações de esquerda durante a ditadura militar (1964-1985).

A CNV trabalhou com diversas bases documentais, mas o grosso dos papéis, agora questionados pelo presidente Bolsonaro, veio das próprias Forças Armadas.

Como no caso dos documentos questionados por Bolsonaro, setores da inteligência militar produziram informações que, a partir dos anos 1990, foram entregues ao Arquivo Nacional, um dos principais colaboradores dos trabalhos da CNV.

A CNV não se confunde com outra comissão no âmbito do governo, existente desde 1995 ao longo de todos os governos desde então, a Comissão Especial para Mortos e Desaparecidos Políticos, formada por sete conselheiros, incluindo membros do Ministério Público e do Congresso.

Foi essa comissão, e não a Comissão Nacional da Verdade, que emitiu um atestado de óbito no último dia 24 que reconhece que Fernando Santa Cruz morreu em 1974 de forma "violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985".

De saída da comissão, onde estava desde 2014, a procuradora Eugênia Gonzaga soltou nota nesta quinta-feira.

"Desde a posse do novo presidente, imaginávamos que haveria a substituição dos membros, assim como ocorreu na Comissão de Anistia. 

Provavelmente pela quantidade de frentes de trabalho decorrentes de condenações judiciais, como os casos do Araguaia e Perus, todos os membros foram mantidos. Portanto, ao que tudo indica, a substituição foi uma represália pela minha postura diante dos últimos acontecimentos.

Lamento muito. Não por mim, pois já vinha enfrentando muitas dificuldades para manter a atuação da CEMDP desde o início do ano, mas pelos familiares. Está nítido que a CEMDP, assim como a Comissão de Anistia, passará por medidas que visam a frustrar os objetivos para os quais foi instituída."

Com o UOL

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