Bolsonaro quer perícia independente em corpo de miliciano ligado a Flávio

Promotoria da Bahia pediu novo laudo; presidente diz que 'queima de arquivo' não seria de seu interesse

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Brasília, Rio de Janeiro e Salvador

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira (18) que pedirá uma perícia independente no corpo de Adriano da Nóbrega, acusado de chefiar uma milícia no Rio e que foi morto durante operação policial na Bahia.

Bolsonaro disse ainda que uma eventual "queima de arquivo" do ex-capitão da Polícia Militar, ligado ao senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), não interessaria a ele.

O Ministério Público da Bahia pediu que a Justiça estadual determine a realização de nova perícia no corpo do miliciano e a conservação do corpo dele até que seja realizado novo exame necrológico.

Foragido havia mais de um ano, Adriano teve parentes nomeados no gabinete de Flávio Bolsonaro e foi citado na investigação sobre "rachadinha" no antigo gabinete do então deputado estadual, hoje senador, na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-policial acusado de envolvimento com milícia - Divulgação / Polícia Civil

Flávio, que também fez homenagens ao miliciano quando era deputado, divulgou nesta terça em rede social um vídeo com imagens que atribui ao corpo de Adriano. 

"Perícia da Bahia (governo PT) diz não ser possível afirmar se Adriano foi torturado. Foram 7 costelas quebradas, coronhada na cabeça, queimadura com ferro quente no peito, dois tiros a queima-roupa (um na garganta de baixo p/cima e outro no tórax, que perfurou coração e pulmões", escreveu Flávio, com referência ao fato de a polícia baiana ser ligada ao governador Rui Costa (PT). 

Mais cedo, na entrada do Palácio da Alvorada, onde cumprimentou um grupo de eleitores, o presidente Jair Bolsonaro disse que o miliciano não teria nada para falar contra ele se estivesse vivo e criticou a conduta das forças policiais na operação que o matou.

“Interessa a quem queima de arquivo? A mim? A mim não. A mim, zero”, disse. “Poderia interessar a alguém a queima de arquivo. O que ele teria para falar? Contra mim que não teria nada. Se fosse contra mim, tenho certeza que os cuidados seriam outros para preservá-lo vivo”, acrescentou.

O presidente citou reportagem da revista Veja, que mostrou imagens do corpo de Adriano e entrevistou peritos que avaliam haver indícios de que os tiros disparados foram a curta distância. Para ele, sem uma perícia independente, dificilmente será possível desvendar o crime.

“Estou pedindo, e já tomei as providências legais, para que seja feita uma perícia independente. Por que, sem isso, você não tem como buscar, quem sabe, quem matou a [a ex-vereadora] Marielle [Franco]. A quem interessa não desvendar a morte da Marielle? Aos mesmos a quem não interessa desvendar o caso [do ex-prefeito] Celso Daniel”, afirmou.

A ex-vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) foi morta a tiros em 2018, em um crime que, segundo as investigações da Polícia Civil, teria envolvimento de grupos milicianos. Já o ex-prefeito de Santo André (SP) Celso Daniel (PT) foi assassinado em 2002 após ter sido sequestrado. A investigação aponta que ele foi morto em um crime comum, sem motivação política.

A fala de Bolsonaro faz referência a uma decisão desta segunda-feira (17) da Justiça do Rio de Janeiro que liberou o IML (Instituto Médico Legal) fluminense de preservar o corpo de Adriano.

O juiz Guilherme Schilling revogou a própria decisão de quinta (13), quando determinou que o IML preservasse o corpo. Na nova determinação, o magistrado afirmou que o pedido sobre a manutenção do corpo e a autorização de uma perícia independente deveria ser avaliado pela Justiça da Bahia, que será a responsável por julgar a morte do ex-PM.

O desejo de Bolsonaro é o mesmo da família de Adriano, que solicitou à Justiça uma avaliação independente sobre as marcas dos projéteis que atingiram o ex-PM. A defesa do ex-capitão também diz suspeitar de uma "queima de arquivo".

Em nota, o secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, disse que o vídeo "divulgado nas redes" não é reconhecido como autêntico pela perícia da Bahia ou pela do Rio de Janeiro. "As imagens não foram feitas nas instalações oficiais do Instituto Médico-Legal. Então nós temos a clara convicção de que isso é para trazer algum tipo de dúvida, de questionamento, a um trabalho que ainda não foi concluído." 

O diretor do IML, Mário Câmara, disse que foi surpreendido pelas imagens e afirmou que não é possível analisar um vídeo não autenticado pela perícia. "Não sabemos se foi adulterado, onde foi feito, não sabemos se o corpo é realmente do senhor Adriano. Então não faremos comentários sobre o vídeo."

Ele afirmou que não há "nenhum sinal de tortura no corpo". "Não há sinal, no corpo, de execução. Há sinais sim, pela angulação dos projéteis, de um confronto com a polícia."

No pedido de nova perícia e de conservação do corpo do miliciano, o Ministério Público da Bahia afirma que a medida deve ser adotada em razão da revogação do impedimento do enterro de Adriano, já que as ações penais ajuizadas contra ele serão extintas com a sua morte.

Ao justificar a medida, os promotores Dario Kist e Gilber de Oliveira afirmaram que consideram prematura a liberação do corpo do miliciano para uma possível cremação, já que esta “extinguiria a possibilidade de realização de novos exames no corpo necessários à completa elucidação das circunstâncias da morte”.

Para manter a possibilidade de uma nova perícia, a Promotoria pede que a Justiça determine que o Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro mantenha intacto o corpo do miliciano.

Os promotores ainda pediram à Justiça que, na nova perícia, sejam analisados elementos como a direção que os projéteis percorreram no interior do corpo, o calibre das armas utilizadas e a distância aproximada nas quais os tiros foram disparados.

O ex-PM foi morto no município de Esplanada (BA), ao ser alvo de operação que envolveu as polícias baiana e fluminense. Eles estava foragido desde janeiro de 2019, quando foi deflagrada a operação Os Intocáveis, do Ministério Público do Rio de Janeiro, que investigou a milícia de Rio das Pedras, a mais antiga do estado.

As investigações apontam que o ex-policial militar era chefe da quadrilha. Outras apurações apontam a atuação dele em homicídios profissionais e na exploração do jogo do bicho e máquina de caça-níqueis.

O governador da Bahia, Rui Costa (PT) afirmou na segunda-feira (17) que não acompanhou a operação policial que resultou na morte de Adriano da Nóbrega nem deu nenhuma orientação específica para as equipes que foram a campo.

“Eu não faço gestão de operação, eu não estudei pra isso. Quem estudou e foi treinado para isso são os policiais. Cabe aos técnicos, que são os policiais, fazer a operação e ao Ministério Público fiscalizá-la”, disse Costa.

De acordo com o governador, a orientação geral do governo da Bahia para toda operação policial é que a ordem judicial seja cumprida e que todo alvo seja preso com vida. Contudo, se houver reação ao cumprimento do mandado, os policiais devem agir para preservar suas próprias vidas.

“Não é direito nós pedirmos que eles cometam suicídio e que morram em uma operação”, afirmou o petista.

Costa ainda classificou como estranha a versão apresentada pela defesa de Adriano da Nóbrega que ele temia ser alvo de uma queima de arquivo. Segundo o governador, o miliciano já sabia que estava sendo procurado e optou por não apresentar-se voluntariamente à polícia.

Questionado sobre a possibilidade de um cerco mais duradouro na operação que resultou na morte de Adriano, o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa, disse que só as investigações e perícias poderão apontar se os procedimentos adotados foram os corretos.

“As informações que eu tenho são as que estão descritas nos autos. [...] E tudo nos leva a crer que aconteceu da forma como está descrita ali, seja pelo que consta nos laudos, seja pelos depoimentos dos peritos”, disse Barbosa, que ainda criticou análises feitas por especialistas que não tiveram acesso aos documentos oficiais.

​Bolsonaro pregou ainda a necessidade de que os telefones celulares do miliciano morto passem por uma apuração separada, para evitar, segundo ele, que provas sejam forjadas e incluídas no aparelho telefônico. Foram apreendidos 17 aparelhos atribuídos ao ex-PM.

“Será que a perícia [oficial] poderá ser insuspeita? Eu quero uma perícia insuspeita. Não queremos que sejam inseridos áudios ou conversas no celular dele”, disse.

A análise do conteúdo dos aparelhos do ex-capitão será feita pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. Bolsonaro acusa o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) de usar inquéritos para perseguir sua família.

Questionado, o presidente ressaltou que não pretende interferir na investigação do caso e acrescentou que a decisão de federalizar o episódio é do ministro da Justiça, Sergio Moro. Ele ponderou, no entanto, que uma mudança de jurisdição pode levantar suspeitas desnecessárias.

Adriano foi homenageado por Flávio em 2005 com a Medalha Tiradentes, mais alta honraria da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Em janeiro de 2004, ele foi preso preventivamente, acusado pelo homicídio do guardador de carro Leandro dos Santos Silva, 24.

O ex-policial foi citado na investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que apura se houve “rachadinha” no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual.

Segundo o MP-RJ, contas de Adriano foram usadas para transferir dinheiro a Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio e suspeito de comandar o esquema de devolução de salários.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que a Bolsonaro cabe esclarecer as relações dele e de sua família com Adriano.

"Ele [Bolsonaro] tem que responder porque tem essa relação com milicianos. Quem tinha relações com ele [Adriano] era o filho dele [Flávio]. Quem tinha parentes desse rapaz empregado [no gabinete] era ele, e quem fez condecorações a Adriano foi ele", afirmou a deputada. 

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